60 ANOS DO FAIBRAS

Autores: Coronel R1 Carlos Mário de Souza Santos Rosa
Sexta, 12 Setembro 2025
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O corrente ano marca a passagem dos 60 anos da constituição da Força Armada Interamericana do Brasil (FAIBRAS), uma importante e pouco conhecida missão de paz da qual o Brasil participou.

O FAIBRAS (apesar de a denominação ter por núcleo um substantivo feminino, a sigla passou a ser correntemente usada no gênero masculino) se insere no contexto da chamada Guerra Civil na República Dominicana, também conhecida como Revolução de Abril de 1965.

A República Dominicana ocupa a porção oriental da Ilha Hispaniola, a segunda maior ilha do Caribe, fazendo fronteira com o Haiti.

Sua história foi marcada por forte instabilidade política. De 1930 a 1961, o país esteve sob a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo, período mais sangrento da sua história, marcado por perseguições e assassinatos de opositores, tendo se encerrado com a morte a tiros do ditador em uma estrada deserta, próxima à capital Santo Domingo.

No ano seguinte a morte de Trujillo, foram realizadas eleições que deram a vitória ao candidato Juan Bosch, do Partido Revolucionário Dominicano (PRD) que uma vez eleito tomou uma série de medidas, tais como redistribuição de terras e a nacionalização de certas explorações estrangeiras, que o fizeram ser visto como inclinado ao comunismo.

A resposta dos setores mais tradicionais veio ao molde caribenho, por meio de um golpe de estado em 25 de setembro de 1963, que levou ao poder Donald Reid Cabral.

Um ano e cinco meses depois, os apoiadores de Bosch, autodenominando-se constitucionalistas, por pretenderem restaurar o presidente constitucionalmente eleito, tomaram as ruas de Santo Domingo, capturando o Palácio Nacional, sede do Executivo, e instalando Rafael Molina Ureña como presidente provisório.

No dia seguinte, 25 de abril de 1965, forças conservadoras, que por sua vez se proclamavam legalistas, pois diziam que seus adversários eram rebeldes, tendo o General Elías Wessín y Wessin à frente, lançaram um contra-ataque que não conseguiu vencer os insurretos: começara a guerra civil.

Os EUA, preocupados com a instabilidade na região, lançaram a Power Pack.

Ao mesmo tempo, conseguiram em 6 de maio de 1965, que a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovasse uma resolução, criando a Força Interamericana de Paz (FIP), constituída por tropas estadunidenses, brasileiras, hondurenhas, paraguaias, nicaraguenses, costarriquenhas e salvadorenhas, totalizando cerca de 44 mil homens (sendo 42 mil norte-americanos).

A FIP tinha como escopo restaurar a normalidade na região, manter a segurança de seus habitantes e a inviolabilidade dos direitos humanos, além de estabelecer um clima de paz e conciliação que permitisse o funcionamento das instituições democráticas.

A participação brasileira nasceu de uma solicitação pessoal do presidente Johnson, por meio do embaixador Averell Hariman e da boa relação entre o presidente Castelo Branco e o adido militar norte-americano Vernon Walters, antigo oficial de ligação entre a FEB e o Quinto Exército dos Estados Unidos na Campanha da Itália.

Em 20 de maio daquele ano, o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 38, autorizou o envio de tropas ao exterior. No dia seguinte, o Decreto Presidencial nº 56.308 criou o FAIBRAS.

A FIP foi dividida em dois Grandes Comandos, as Forças dos EUA na República Dominicana (USFORDOMREP) e a Brigada Latino-americana, que enquadrava todos os outros contingentes.

O comando da FIP coube a um oficial-general brasileiro, da mesma forma que o comando da Brigada Latino-americana (esse acumulado com o do contingente brasileiro).

O contingente brasileiro era composto por um estado-maior, um batalhão do Regimento Escola de Infantaria, o I/R Es I, com 840 homens, e por um grupamento de Fuzileiros Navais do Batalhão Riachuelo, composto de uma companhia reforçada, um pelotão de polícia e um grupo de apoio logístico, totalizando 270 profissionais.

Seis dias depois, o FAIBRAS concluiu sua concentração em Santo Domingo sob o comando do então Coronel Carlos de Meira Mattos.

Durante o período que esteve desdobrada, 16 meses, o comando da FIP foi exercido por dois Generais de Exército brasileiros, Hugo Panasco Alvim e o Álvaro da Silva Braga, ambos febianos.

O FAIBRAS, por sua vez, teve seus efetivos revezados três vezes, numa base semestral, envolvendo mais de 3 mil militares.

A atuação do contingente brasileiro pode ser dividida em 3 momentos.

A primeira fase, entre maio e outubro de 1965, teve como foco a repressão aos conflitos armados. A segunda, que se estendeu de outubro de 1965 a abril de 1966, concentrou-se na preservação da ordem pública. Já a etapa final, de abril a setembro de 1966, foi dedicada ao preparo das tropas brasileiras para futuras missões semelhantes.

As 3 principais atividades operacionais desenvolvidas se deram justamente na primeira fase.

Inicialmente, coube ao FAIBRAS ocupar a área onde se encontrava o Palácio Nacional, apenas cinco dias após sua chegada. A mediação para desmilitarização do espaço se deu por meio da OEA. A complexidade da missão estava no fato das forças oponentes se encontrarem muito próximas umas das outras e da existência de clima fortemente hostil aos EUA.1

Em uma hora, duas companhias do I/R Es I concluíram a missão com êxito, sem baixas e confrontos.

A segunda missão foi o isolamento de um bairro denominado Ciudad Nueva, localizado na parte sudoeste do centro de Santo Domingo, constituindo uma área de grande importância tanto por seu valor patrimonial quanto por sua proximidade com instituições governamentais.

A Brigada Latino-americana, com o FAIBRAS como seu principal elemento de manobra, cumpriu essa missão de 7 de junho a 3 de setembro de 1965, oportunidade em que se envolveu em vários incidentes com as forças constitucionalistas.

Por fim, a derradeira tarefa foi a ocupação de Ciudad Nueva, ocorrida em 25 de outubro de 1965. Após um isolamento de 2 meses, a FIP, por meio da Brigada Latino-americana e da 1ª Brigada da 82ª Airborne Division, atuando em direções convergentes se apossaram de pontos-chave da área, neutralizando os últimos redutos rebeldes e completando a desocupação do centro de Santo Domingo.

Daí em diante, o FAIBRAS, enquadrado na FIP, executou operações de Garantia da Lei e da Ordem alinhadas como propósito oficial da missão e recebeu treinamento norte-americano para operações em montanha e contra guerrilha2, visando possíveis futuras missões, inclusive uma ventilada participação na Guerra do Vietnã.

Registra-se ainda a estreia do emprego do FAL (Fuzil Automático Leve) e do FAP (Fuzil Automático Pesado) como armamento individual.3

Como resultante, o Brasil angariou experiência em missões de imposição da paz e qualificou-se como um importante aliado regional dos EUA.


 

REFERÊNCIAS

DE FREITAS CÂMARA, H. Contribuição do FAIBRÁS à instrução da Infantaria. A Defesa Nacional, v. 55, n. 620, 28 dez. 2021.

DE MEIRA MATTOS, C. 10 anos depois (da participação militar brasileira na missão pacificadora da República Dominicana). A Defesa Nacional, v. 63, n. 669, 18 ago. 2021.

DE MEIRA MATTOS, C. A instrução do FAIBRAS na República Dominicana. A Defesa Nacional, v. 54, n. 616, 22 jun. 2020.

FAN, R. 50 Anos da Participação Brasileira (FAIBRAS) na Estabilização da República Dominicana. Defesa NET Canoas. 18 de junho de 2015. Disponível em <https://www.defesanet.com.br/terrestre/50-anos-da-participacao-brasileira-faibras-na-estabilizacao-da-republica-dominicana/#google_vignette> Acesso em 20 de maio de 2025.

DE OLIVEIRA, D. O que foi o Destacamento Brasileiro da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS). HOJE PR.14 de fevereiro de 2023. Disponível em < https://hojepr.com/coluna-dennison-destacamento-brasileiro-forca-interamericana-de-paz/> Acesso em 20 de maio de 2025.

ComFFE comemora os 50 anos de desativação da FAIBRAS.Marinha do Brasil. Disponível em < https://www.marinha.mil.br/node/2612> Acesso em 20 de maio de 2025.

FAIBRAS - “Força Armada Interamericana do Brasil”. Batalhão Suez. Disponível em < https://www.batalhaosuez.com.br/antigo/ForcasDePazOutrasMissoesResumoFaibras.htm> Acesso em 20 de maio de 2025.

Força Armada Interamericana do Brasil – FAIBRAS. (1965-1966). Instituto Boina Azul Disponível em < https://www.institutoboinaazul.com.br/forcaarmadainteramericana> Acesso em 20 de maio de 2025.

1Os EUA intervieram no país em 1916, ocupando-o até 1924, oportunidade que deixaram um forte sentimento antiamericano enraizado na população.

2 DE MEIRA MATTOS, C. A instrução do FAIBRAS na República Dominicana. A Defesa Nacional, v. 54, n. 616, p 71, 2020.

3 DE MEIRA MATTOS, C. Ibid.p72

 

CATEGORIAS:
História

Comentarios

Comentarios

Excelente e elucidativo texto! Parabéns!! 

Excelente, irretocavel  !! PARA

Excelente artigo elaborado pelo professor Carlos Mario, ele consegue explicar muito bem e com muita experiencia na materia.

 

É gratificante em termos histórias como esta, para que muitos tenham conhecimento e sigam exemplos à serem seguidos.

É uma honra e orgulho em conhecer o Coronel Carlos. 

Simplesmente fantástica matéria ,já esperando a próxima .... 

fraterno abraço 

Sales Morenno - Membro titular do IHGMB 

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