Liderar é ler: o papel da leitura na formação do líder militar

Autores: Maj Fontana
Sexta, 22 Agosto 2025
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Especialistas militares afirmam que o comandante com alta capacidade de liderança é essencial para o cumprimento dos objetivos organizacionais, principalmente nas ações de combate e nos momentos críticos. Diversos exemplos históricos reforçam esse argumento. O Rei Leônidas motivou os guerreiros espartanos a combater os inimigos persas como “nunca lutaram antes, com espadas e, depois, com mãos e dentes”. O livro Portões de Fogo, de Steven Pressfield, que retrata os feitos de Leônidas na Batalha de Termópilas, integra a lista de livros obrigatórios que os cadetes de West Point devem ler, evidenciando a importância que o Exército dos Estados Unidos da América (EUA) deposita na atividade de leitura. Aprender com os comandantes pretéritos desenvolve a capacidade de liderança dos futuros comandantes.

O comandante que cultiva o hábito da leitura, especialmente de títulos sobre história militar, pode evitar a morte desnecessária dos seus soldados em combate. James Mattis, general veterano dos EUA e autor do livro Call Sign Chaos, afirma que o chefe que não lê aprenderá por meio de duras derrotas em batalha — e pior: acabará enchendo “sacos de cadáver com seus militares”. Ao adquirir conhecimento de relatos de batalhas, o comandante assimila lições extraídas dos erros dos outros e evita expor sua tropa a riscos evitáveis.

Considerando o papel central da leitura na formação do líder militar, surge a pergunta: como as escolas militares desenvolvem o hábito da leitura nos seus alunos? O Exército dos EUA possui Programas de Leitura Profissional, com o objetivo de ampliar o conhecimento e a confiança dos comandantes, empregando técnicas que estimulam o pensamento crítico. Semelhantemente, os Estabelecimentos de Ensino (Estb Ens) do Exército Brasileiro (EB) conduzem seus Programas de Leitura, promovendo ações para incentivar o gosto pela leitura e motivando os alunos a ampliar a cultura geral e proficiência profissional. Todas as escolas militares planejam e executam seus próprios programas, o que lhes confere autonomia para que adotem estratégias adaptadas ao itinerário formativo do discente.

Durante minha formação na AMAN, tive a oportunidade de ler Homens ou Fogo? e Nada de Novo no Front. São obras que exploram a dimensão humana do combatente ao retratar as reflexões do soldado diante da complexidade da guerra. Tivemos debates sobre detalhes dos livros e colhemos lições que apontaram para um objetivo claro: desenvolver a nossa capacidade de liderança para conduzirmos nossas frações às vitórias.

Por vezes, o aluno considera os livros do programa como obrigações acadêmicas exigidas para sua formação. Cabe aos instrutores das escolas de formação buscarem maneiras de incentivar o gosto pela leitura para que esse hábito seja naturalmente incorporado à rotina do aluno. O instrutor deve manter como referência, na sua “alça e massa”, a excelência da formação do futuro líder. Parafraseando o filósofo Cortella, a excelência não se trata do lugar aonde chegamos, mas o horizonte que devemos perseguir. Portanto, cabe ao instrutor recorrer à iniciativa e à criatividade para concentrar esforços na formação do melhor comandante possível para o Exército Brasileiro.

No entanto, os programas de leitura podem enfrentar alguns óbices. A carga de atividades curriculares nas escolas de formação pode reduzir o tempo e o interesse dedicados à leitura. Além disso, a ausência de uma ferramenta de acompanhamento e avaliação contínua das metas de leitura pode diminuir o impacto dessas ações a longo prazo. Reconhecer esses desafios se sobressai como essencial para o melhoramento dos programas e para a consolidação do hábito de leitura como uma prática duradoura.

É válido explorar a estratégia inovadora que adotamos quando comandei a Companhia de Cadetes de Material Bélico da AMAN em 2021. Utilizamos a plataforma digital Skoob para fomentar o gosto pela leitura. Por meio desse aplicativo, os cadetes e instrutores relacionavam os livros que leram, estavam lendo e gostariam de ler como metas, e essas informações eram compartilhadas entre todos os integrantes da subunidade. Nas oportunidades em que nos reuníamos — formaturas, pernoites — debatíamos o livro que algum cadete ou instrutor havia lido, direcionando esforços para colher ensinamentos que fortalecessem os três pilares da liderança militar: proficiência profissional, senso moral e atitude adequada.

A nossa estratégia de fomento à leitura obteve êxito. Depois do ciclo de leitura de aproximadamente seis meses, a maioria dos cadetes havia ampliado significativamente sua frequência de leitura e muitos afirmaram que estavam lendo com mais frequência. O caminho para atingir o objetivo do programa de leitura fora pavimentado com êxito, pois os cadetes passaram a demonstrar profundo apetite pela leitura.

As escolas de formação canalizam esforços para desenvolver o gosto pela leitura, prática indispensável e perene na vida do militar. Ademais, os instrutores das escolas de formação precisam buscar estratégias que realmente estabeleçam um hábito de leitura sustentável no aluno. Porém, é mister que a prática da leitura seja constantemente incentivada, a fim de perdurar durante toda a carreira do militar. Nos EUA, os programas de leitura profissional não se limitam às escolas militares. As Organizações Militares (OM) implementam seus próprios programas de leitura, utilizando as obras previstas pelo Centro de História Militar dos EUA ou livros selecionados pelo Chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA.

Ao fim e ao cabo, a leitura se consolida como instrumento indispensável para o desenvolvimento da capacidade de liderança, fator que favorece o logro dos objetivos da OM. É relevante que o comandante tenha ciência da importância de transformar os incontáveis registros históricos em ensinamentos, os quais se sedimentarão como tijolos na casa do conhecimento, pois “temos lutado neste planeta por dez mil anos; seria idiota e antiético não aproveitar tais experiências acumuladas” (Mattis).

Por fim, faço um alerta para os comandantes, instrutores e futuros líderes que não consideram importante o hábito da leitura. As experiências adquiridas durante a carreira não garantem por si só o sucesso no cumprimento das missões. Como escreveu James Mattis, “se você não leu centenas de livros, você é funcionalmente analfabeto e será incompetente, porque suas experiências pessoais sozinhas não são amplas o suficiente para sustentá-lo”. Formar bons comandantes exige, antes de tudo, formar leitores comprometidos com o autoaperfeiçoamento.

REFERÊNCIAS

Brasil. Exército Brasileiro. Estado-Maior. Manual de Campanha Liderança Militar (C 20-10). Brasília – DF: 2011, 2 Ed.

Brasil. Exército Brasileiro. Estado-Maior. Diretriz de Educação e Cultura do Exército Brasileiro 2023 – 2027 (EB20-D-01.031). Brasília – DF: 2023.

Cortella, Mário Sérgio. Qual tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis: Vozes Nobilis, 2015, 24ª Ed.

Mattis, James Norman; West Jr, Francis J. Bing. Call Sign Chaos: Learning to Lead. New York: Ramdom House, 2019.

Pressfield, Steven. Portões de Fogo: um romance épico sobre Leônidas e os 300 de Esparta. Tradução de Ana Luíza Dantas Borges. São Paulo: Contexto, 2017.

United States. Departament of the Army. FM 6:22: Leader development. Washington, DC: Headquareters, Department of the Army, 2015.

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