A liderança no C2-50

Autores: Coronel R1 Paulo Roberto da Silva Gomes Filho
Quarta, 08 Maio 2019
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O C2-50 é uma referência para os cavalarianos. Desde a entrada na Arma, na Academia Militar das Agulhas Negras, os cadetes ouvem falar do velho manual – já não mais em vigor – que tratava da Instrução Tática Individual e das Unidades Elementares da Cavalaria.

O exemplar que tenho aqui comigo, uma edição de 1959, é do meu pai, Aspirante da Turma de 1965, formado na Cavalaria Hipomóvel. Foi emprestado com a recomendação expressa de que eu o devolva em perfeito estado. Era seu manual de cabeceira nos tempos de Tenente, no 3º Regimento de Cavalaria, em São Luiz Gonzaga, RS.

A frase mais famosa do manual, repetida inúmeras vezes nas Unidades de Cavalaria, é a constante no parágrafo 18, que trata de “certas regras que o Soldado deve conhecer”. Lá se encontra, na letra “c”: “se não existirem mais oficiais ou graduados, o mais bravo assume o comando.”

A frase soa aos jovens cavalarianos como o paradigma do espírito da Arma. O estímulo à audácia, o amor aos lances perigosos, à bravura. E é exatamente isto que ela é. Mas não só isto. A frase está inserida em um contexto em que conceitos de liderança são apresentados aos leitores. A perenidade da admiração de sucessivas gerações de militares aos ensinamentos do C2-50 está justamente na rara felicidade com que seus autores tratam desses conceitos de liderança, que permanecem atuais até os dias de hoje.

Abaixo, serão apresentados alguns trechos que exemplificam a incrível atualidade do manual.

 

                                         “6. O primeiro objetivo que a si próprio deve impor um instrutor é o desenvolvimento do

                                          moral de seus cavaleiros.

                                           ... É a confiança do cavaleiro em suas forças, na sua coragem no valor de suas armas na

                                            justeza do seu tiro e no valor de seu chefe, que constituem o alicerce de seu moral.”

 

Logo no 6º parágrafo do manual, fica clara a importância da liderança. Atribui-se ao instrutor, que no caso se confunde com o comandante das pequenas frações, a responsabilidade de desenvolver o moral do soldado, o que só se conseguirá pela “confiança no valor do seu chefe”.

 

                                            “17. Em todos os postos da escala hierárquica, o chefe deve estar compenetrado de que

                                             a primeira e mais bela de suas missões é dar o exemplo.”

 

Vejamos o que “dar o exemplo” significa. Como se sabe, a liderança é um processo de influência interpessoal do líder sobre os liderados. Essa influência que o líder exerce se dá pelo estabelecimento de vínculos afetivos entre os indivíduos, de modo que os liderados passam a crer que o líder saberá conduzir os destinos do grupo nas mais variadas situações.

Essa confiança só se estabelece quando são identificados no líder três aspectos cruciais para a liderança. O primeiro é a proficiência profissional, ou seja, o líder sabe o que fazer. O segundo é o senso moral, que significa que é possível se identificar na personalidade do líder os valores morais caros ao grupo que lidera. O último aspecto são as atitudes adequadas, que evidenciam que o líder efetivamente emprega seus conhecimentos e valores em ações que conduzem o grupo ao objetivo perseguido pela Instituição a que pertencem.

“Dar o exemplo” significa encarnar os três aspectos citados. Significa “ser”, “saber” e “fazer”. Isto era válido em 1959 e continua válido até hoje.

 

                                            “18.a. a falta de ordens em nenhum caso justifica a inação.

                                             b. a iniciativa consiste em atuar, na falta de ordens, segundo a vontade do chefe.”

 

Aqui está a se falar da iniciativa e do conceito de “intenção do comandante”, ambos em vigor na doutrina atual. Ou, para citar a moderna doutrina norte-americana, do Mission Command [1]. Os comandantes em todos os níveis, assim como seus subordinados, devem atuar sempre no sentido de se fazer cumprir a intenção de seu comandante. Assim, no caso de uma situação em que se encontre atuando isolado, ou em que falhem os meios de comando e controle, deverá atuar com iniciativa e por conta própria, sempre objetivando o cumprimento da missão. Está se falando de planejamento centralizado e execução descentralizada e se estimulando a iniciativa, outorgando aos subordinados a liberdade de ação para se decidir a melhor forma de cumprir a missão.

Muitos outros trechos do C2-50 poderiam ter sido selecionados, mas creio que os destacados acima são suficientes para mostrar o porquê da importância do velho manual. Que este texto sirva de estímulo aos cavalarianos mais jovens. Folheiem o C2-50 [2], leiam com calma alguns trechos. Vocês estarão mergulhando nas origens da Arma Ligeira, entenderão melhor a formação do espírito militar que nos une e nos torna diferentes.

[1] Mission Command pode ser definido, em rápidas palavras, como um estilo de liderança militar adotado pelo Exército dos EUA. Oriundo da antiga escola Prussiana, o conceito prevê planejamento centralizado e execução descentralizada. Atribui grande importância à compreensão da intenção dos comandantes para que se possa conceder liberdade de ação aos subordinados para que atuem conforme seus próprios planejamentos.

[2] Disponível na Biblioteca Digital do Exército - http://bdex.eb.mil.br/jspui/handle/1/520?mode=full

1 COMENTÁRIO(S)

Comentarios

Comentarios
Bem colocado, meu amigo. Taí um manual de campanha de cavalaria pra ser lido, entendido e estudado por civis e militares... cavalarianos ou não... em campanha ou fora dela. São ensinamentos para a vida profissional e para a convivência harmônica familiar. Que Deus siga iluminando os teus passos nessa cadeira brilhante que tens trilhado! E que nossos estribos se choquem...

Sobre o Autor

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Coronel R1 Paulo Roberto da Silva Gomes Filho

CURRÍCULO
Oficial de Cavalaria, da reserva remunerada, do Exército Brasileiro, da turma de 1990 da AMAN. Mestre em Operações Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME 2008). Especialista em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL 2010). Mestre em Estudos...

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