Outras lições da logística militar no conflito russo-ucraniano

Autores: Coronel Luciano Hickert
Segunda, 07 Abril 2025
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A Guerra na Ucrânia tem produzido uma série de lições para a logística de guerra, por apresentar um conflito de alta intensidade e longa duração, num embate entre nações da Europa que mobilizam recursos militares de diversos países, submetendo os sistemas militares à busca de soluções e modernizações.

A logística russa, em especial, revelou importantes lições e inovações que surgiram devido à natureza específica desse conflito sem precedentes no século atual. A intensidade do conflito convencional, inclusive em áreas urbanas, as novas oportunidades tecnológicas para integração de dados, as novas capacidades de condução e alcance de fogos, as possibilidades de utilização de diversos meios de transportes, aliados às necessidades de segurança frente aos inimigos terrestres e aéreos, são seis aspectos do ambiente operacional que está produzindo respostas russas.

Desse modo, algumas lições podem servir para aprimorar futuras doutrinas logísticas, dentre as quais seis ideias principais podem ser elencadas:

1) Planejamento para campanhas de longa duração: a guerra na Ucrânia trouxe novamente à tona desafios de campanhas prolongadas e de alta intensidade, pouco comuns no mundo pós-Guerra Fria, que tem exigido uma adaptação constante da doutrina. Para campanhas futuras, é essencial que as doutrinas logísticas contemplem cenários de longa duração, incluindo planos de contingência que permitam ajustar rapidamente os processos. Podem ser incluídas estruturas modulares, meios tecnológicos e de reabastecimento contínuo, utilizando depósitos móveis e rotas de abastecimento adaptáveis (Center for Strategic and International Studies, 2023).

2) Integração de novas tecnologias para monitoramento e resposta rápida: a Rússia implementou drones de vigilância, como os Orlan-10, para monitorar comboios e verificar a segurança das rotas antes da passagem de suprimentos. Esses drones foram utilizados para identificar ameaças e fornecer escolta aérea, ajudando a reduzir a vulnerabilidade a ataques ucranianos e melhorando a segurança das rotas (Institute for the Study of War, 2023) (RAND Corporation, 2023).

Ainda, as tecnologias novas, como a inteligência artificial (IA) e sistemas de monitoramento preditivo, estão revolucionando a logística militar moderna ao melhorar a capacidade de antecipação, análise e resposta rápida às necessidades operacionais. Em um cenário de guerra onde a resiliência e a adaptação contínua são essenciais, a IA pode ser aplicada para realizar análises em tempo real de dados sobre o consumo de recursos, padrões de ataque inimigo e rotas de abastecimento seguras.

Neste mesmo sentido, sistemas de monitoramento preditivo, que integram sensores interligados na internet com análise de dados, podem prever problemas logísticos antes que eles se tornem críticos, identificando fraquezas em depósitos, rotas e equipamentos. Essa tecnologia tem se mostrado essencial para a logística russa enfrentar ataques inesperados aos depósitos e rotas de abastecimento.

A introdução de veículos autônomos para o transporte de suprimentos em rotas de risco reduz a exposição de pessoal e pode garantir o fluxo contínuo de suprimentos. O uso de drones de carga, tanto aéreos quanto terrestres, pode auxiliar no reabastecimento de tropas em áreas de difícil acesso ou em momentos de risco elevado.

3) Extrema dispersão e descentralização de depósitos logísticos: a dispersão dos depósitos logísticos foi uma adaptação fundamental das forças russas para mitigar o impacto dos ataques ucranianos, devido ao aumento dos alcances e precisão dos fogos. Em vez de grandes concentrações de suprimentos, a Rússia começou a utilizar pequenos depósitos em áreas menos visadas, distribuindo suprimentos essenciais por regiões mais seguras, como áreas urbanas controladas ou em zonas fortificadas. Esse ajuste reduziu o impacto de ataques isolados, mas aumentou a necessidade de planejamento detalhado para manter o fluxo entre os depósitos (RAND Corporation, 2023).

A dispersão de depósitos reduz a dependência de um único ponto de abastecimento e minimiza as interrupções causadas por ataques em massa. Essa prática também permite a criação de uma logística mais resiliente e menos previsível para o inimigo.

As lições aprendidas com a logística russa de dispersão severa de depósitos, uso de drones e adaptação a ataques assimétricos mostram que, mesmo em um ambiente altamente hostil, ajustes logísticos inteligentes podem fazer a diferença para manter a operação militar viável e eficaz em longo prazo.

4) Multimodalidade: sistemas logísticos modernos devem buscar combinar diferentes modalidades de transporte: terrestre, aéreo, aquático e até mesmo o uso de drones autônomos para transporte de carga leve e emergencial. A interoperabilidade entre esses modos permitirá um fluxo contínuo e seguro de suprimentos, mesmo em terrenos difíceis ou em áreas onde uma modalidade específica seja temporariamente comprometida.

A logística multimodal também deverá integrar tecnologia de monitoramento que permita rastrear a localização e o status dos suprimentos, utilizando sistemas de inteligência artificial para antecipar necessidades. Para sustentar essa inovação logística, surge a necessidade de inteligência artificial e big data que possibilitem a resposta dinâmica a mudanças no campo de batalha. Com essas tecnologias, será possível ajustar automaticamente rotas, redistribuir suprimentos e identificar novas demandas de forma preemptiva, proporcionando uma resiliência sem precedentes às operações militares.

5) Segurança antiaérea: a proteção antiaérea em múltiplos níveis será outro pilar essencial da logística militar futura, pois será indispensável para proteger comboios e depósitos contra ameaças aéreas, incluindo drones de ataque, mísseis de cruzeiro e aeronaves. A proteção antiaérea em camadas deverá ser integrada aos próprios sistemas logísticos, acompanhando os movimentos dos comboios e garantindo que o fluxo de suprimentos permaneça seguro mesmo em áreas de conflito intenso.

6) Adaptação aos ataques assimétricos: o conflito na Ucrânia evidenciou a necessidade de uma logística resiliente capaz de enfrentar ataques assimétricos, como emboscadas, ataques de drones, sabotagens em linhas de abastecimento e ataques cibernéticos. Um exemplo real foi a destruição de depósitos russos por drones ucranianos, o que forçou a Rússia a dispersar e descentralizar seus depósitos logísticos para reduzir a vulnerabilidade a ataques concentrados (Institute for the Study of War, 2023) (RAND Corporation, 2023).

Assim, a logística futura deve ser protegida contra ataques terrestres. A proteção de comboios e rotas de abastecimento envolverá o uso de veículos blindados com capacidades de defesa ativa e passiva, que possam neutralizar ameaças próximas e proteger as cargas essenciais. Esse tipo de proteção, com escoltas armadas e drones de vigilância, fortalecerá a segurança dos movimentos logísticos, tornando as operações menos suscetíveis a emboscadas e ataques furtivos.

Deste modo, a aplicação de novas tecnologias no campo de batalha, com incremento das capacidades de busca de informações e condução de fogos, tem revolucionado os processos logísticos, que tem buscado evoluir para fazer frente aos novos desafios impostos e às necessidades crescentes de suprimentos.

Nesse sentido, a logística militar do futuro precisará de uma integração avançada para a coleta e análise de dados em tempo real sobre rotas seguras, possíveis ameaças e pontos de suprimento vulneráveis permitirá uma logística preditiva, antecipando pontos de risco e ajustando os fluxos logísticos com base em informações estratégicas. Essa capacidade preditiva permitirá ajustar caminhos, dispersar depósitos ou concentrar recursos em áreas prioritárias com base em dados de inteligência e análise de risco, criando uma logística adaptável e reativa.

À medida que os cenários de combate evoluem, a logística militar se transforma para responder de forma mais ágil e protegida às ameaças novas e complexas. O futuro aponta para uma logística menos hierárquica e mais descentralizada, onde a tecnologia e a integração de defesa e inteligência serão a chave para manter a resiliência em ambientes de guerra de alta intensidade.


 

REFERÊNCIAS

1. BRASIL. Ministério da Defesa. MD51-M-04 – Doutrina Militar de Defesa. Brasília, 2022.

2. BRASIL. Exército Brasileiro. EB70-MC-10 – Logística Militar Terrestre. Brasília, 2022.

3. CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DO EXÉRCITO. A Logística na Operação Acolhida: Gestão e Desafios. Brasília, 2020.

4. SILVA, João Carlos F. Logística Militar Brasileira: Lições da MINUSTAH. Revista Militar, 2015.

5. INSTITUTE FOR THE STUDY OF WAR. Russian Offensives in Ukraine - Logistics and Supply Chain Challenges. 2022.

6. INSTITUTE FOR THE STUDY OF WAR. Analysis of NATO Operations in Serbia and Kosovo. 2010.

7. INSTITUTE FOR THE STUDY OF WAR. Russian Military Logistics and Adjustments in the Ukraine Conflict. 2023.

8. JARDIM, Jonathas da Costa. A logística russa no contexto do conflito com a Ucrânia: alguns apontamentos. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

9. NATO. NATO Logistics Handbook. 2022.

10. RAND CORPORATION. Sustaining the Offensive: Russian Military Logistics in the Ukrainian Conflict. 2022.

11. RAND CORPORATION. Logistics Support for Operations in Iraq and Syria. 2016.

12. RAND CORPORATION. U.S. Army Logistics in Iraq: Planning and Execution. 2005.

13. RAND CORPORATION. Russian Military Logistics: Lessons and Adjustments in Ukraine. 2023.

14. U.S. ARMY. Field Manual 4-0: Sustainment Operations. 2019.

15. CENTER FOR STRATEGIC AND INTERNATIONAL STUDIES (CSIS). The Russian Military’s Logistical Failures in Ukraine: Lessons Learned. 2022.

16. CENTER FOR STRATEGIC AND INTERNATIONAL STUDIES (CSIS). Afghanistan and U.S. Logistics: Lessons Learned. 2011.

17. CENTER FOR STRATEGIC AND INTERNATIONAL STUDIES (CSIS). Adapting to a Prolonged Conflict: Russian Logistics in Ukraine. 2023.

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Conflitos Armados

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