A efetividade do Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCIC): Reflexões no contexto da Operação Punhos de Aço 2025

Autores: Gen Bda André Dias TC Luiz Gustavo de Paiva Lopes
Quarta, 26 Novembro 2025
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No combate moderno, a “névoa da guerra1” de Clausewitz2, longe de se dissipar, parece estar cada vez mais presente. Essa percepção se reforça pelo ambiente precipitado, superficial, imediatista e conturbado (PSIC)3 do momento. Além disso, os prognósticos parecem pouco alentadores, indicando inclusive um possível agravamento da atual complexidade, volatilidade e ambiguidade. É, portanto, nesse contexto que a efetividade do uso do denominado Processo de Integração Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCIC) deve ser discutida e analisada.

O PITCIC é uma ferramenta presente há décadas na Doutrina Militar Terrestre, que permite aos planejadores e decisores, em última instância, visualizar, por meio de produtos gráficos, como o inimigo se apresenta e deve se comportar, fornecendo subsídios para a escolha de uma linha de ação que proporcione a maior probabilidade de êxito no cumprimento das missões. Composto por quatro fases, o Processo tem início pela definição precisa do ambiente operacional (Fase 1), para, em seguida, serem identificados os efeitos desse ambiente sobre as operações (Fase 2) e avaliadas as ameaças presentes (Fase 3). Por fim, determinar-se as possibilidades das ameaças (Fase 4). Aplicado de forma integrada e paralela entre diferentes escalões de planejamento hierarquicamente vinculados, o PITCIC emprega recursos tecnológicos, na medida de suas disponibilidades e exequibilidades.

Analisando-se atentamente os passos acima e tendo por base as impressões experimentadas na Operação Punhos de Aço4 2025, pôde-se constatar que a condução disciplinada e eficaz do PITCIC, dispondo de alguma tecnologia, fez com que as frações blindadas da Brigada Niederauer5 diminuíssem drasticamente o tempo de detecção, engajamento e disparo dos seus diferentes sistemas de armas, aumentando, em muito, a neutralização das ameaças presentes no campo de batalha.

A obtenção das informações fez-se por meio de diferentes sensores de inteligência, como drones categoria zero, caçadores, tropas amigas em contato e pelotões de exploradores. Como consequência, foram levantadas informações cruciais sobre posições defensivas (de infantaria a pé e blindados inimigos), incluindo sistemas de barreiras e de armas anticarro. Foi possível também visualizar a conformação do terreno com precisão, com destaque para aspectos de trafegabilidade, essenciais para a manutenção da impulsão no ataque e ação de choque6.

De posse desses produtos, os comandantes das frações puderam construir cenários muito próximos do que encontrariam na Operação, executando o jogo da guerra7 e os correspondentes ensaios com maior realismo e precisão. Isso possibilitou que cada viatura blindada rompesse a linha de partida sabendo que tipo de ameaça poderia encontrar, utilizando rotas que aproveitassem ao máximo o terreno e sendo capazes de selecionar quais os campos de tiro seriam prioritariamente monitorados. Ao final, constatou-se que o PITCIC, de fato, proporcionou a diminuição do tempo de resposta da tropa empregada em todos os escalões de comando, com especial menção às guarnições de carros de combate.

Dessa rápida análise, surge uma importante provocação: até que ponto as forças blindadas atuais reagiriam a oponentes dotados por tecnologias que prometem incrementar, de forma disruptiva, a capacidade de ler o campo de batalha, detectar ameaças, decidir e agir? Nesse sentido, verifica-se que os 3 principais programas em andamento a nível mundial são: o norte-americano Next Generation Combat Vehicle (NGCV); o franco-alemão Main Ground Combat System (MGCS); e o israelense CARMEL. Dentre outros avanços, esses programas preveem a incorporação de capacidades, tais como: a integração de plataformas e combate cooperativo; digitalização, inteligência artificial e fusão de dados; letalidade aprimorada; proteção e sobrevivência aprimorados; melhor propulsão e mobilidade; e arquitetura aberta de sistemas.

Essas novas capacidades fundirão, em um único mosaico, as imagens geradas a partir de todos os sensores disponíveis, identificando ameaças, por meio do uso de tecnologias de reconhecimento de imagem, engajando os múltiplos alvos encontrados e indicando qual o atuador mais adequado para cada um deles, além de oferecer instantaneamente ao decisor a possibilidade de disparar seu armamento com precisão e máxima eficiência. No caso específico dos combates blindados, esses programas possibilitarão um tempo ainda menor de detecção e engajamento de alvos, com uma probabilidade muito maior de acerto no primeiro tiro, sem sobreposição de atuadores e com redução dos índices de fratricídio.

Do exposto, longe de se tornar obsoleto, o PITCIC continua válido. Os produtos a serem alcançados, inclusive, servem de referência para o fomento à pesquisa e ao desenvolvimento. Busca-se, pois, permanentemente soluções inovadoras que acelerem o ciclo decisório e permitam a obtenção e a retenção da iniciativa em combate, impondo ao inimigo uma espiral crescente de reações desfavoráveis, que fatalmente o conduzirão ao colapso. Assim, visualiza-se que o PITCIC, no futuro, se tornará cada vez mais relevante, especialmente nos casos em que não estiverem disponíveis tecnologias de ponta e equipamentos no estado da arte.

Clausewitz provou que na guerra tudo são incertezas. Moltke, “O Velho”, foi categórico ao afirmar que os mais detalhados e cuidadosos planejamentos desmoronam no primeiro contato com o inimigo. A guerra, imutável em sua essência, será sempre uma disputa de interesses, na qual cada lado procurará impor sua vontade. Será vitorioso, portanto, aquele que souber agir com mais resiliência e perseverança, iniciativa e rapidez, orientado pela intenção do comandante e pelo propósito da missão. O PITCIC contribuirá sobremaneira para esse fim, permitindo aos recursos humanos - verdadeiro centro de gravidade dos exércitos - atuarem na plenitude de suas capacidades.

 

Imagem 1 – Planejamento na carta, subsidiado pelos produtos do PITCIC.

Imagem 2 – Ordem ao pelotão, baseada no ambiente operacional levantado no PITCIC.

Fonte: o autor (Tenente-Coronel Luiz Gustavo de Paiva Lopes).

Fonte: o autor (Tenente-Coronel Luiz Gustavo de Paiva Lopes).

Imagem 3 – Ensaios dos embates visualizados no planejamento.

Imagem 4 – Ação no objetivo, com os ganhos auferidos por meio dos ensaios

Fonte: o autor (Tenente-Coronel Luiz Gustavo de Paiva Lopes).

Fonte: o autor (Tenente-Coronel Luiz Gustavo de Paiva Lopes).

 

1 Termo empregado por Clausewitz, em sua teoria da guerra, para expressar a dificuldade de estar consciente acerca da situação em curso durante o combate.

2 Pensador prussiano e teórico da guerra, falecido em 1831, com vasta experiência prática em conflitos. Revolucionou o pensamento militar, por meio de sua obra “Da Guerra” (Vom Kriege, em alemão), de 1832.

3 Conceito apresentado e explicado pelo General de Exército Richard Fernandez Nunes, para caracterizar o ambiente atual, com reflexos em todas as atividades.

4 Tradicional exercício de adestramento avançado da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, ocorrido em outubro do corrente ano em Saicã, no município de Rosário do Sul-RS. Na atividade, foram executadas ações táticas de natureza predominantemente ofensivas, permitindo o funcionamento sinérgico de todos os Sistemas de Combate.

5 Nome histórico da 6ª Brigada de Infantaria Blindada, que faz alusão ao Coronel João Niederauer Sobrinho, herói nacional e de destacada participação na Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870).

6 Termo utilizado para traduzir o efeito produzido pelas forças blindadas em operações, sobretudo nas ações ofensivas, obtido pela combinação harmônica da tríade: poder de fogo, mobilidade e proteção blindada.

7 O chamado Jogo da Guerra ocorre quando do ensaio da matriz da operação, com foco em procedimentos a serem desencadeados para cada reação do inimigo às nossas ações planejadas, considerando sua atitude mais provável, pautada em sua doutrina e histórico de emprego.

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