80 ANOS DO NAUFRÁGIO DO CRUZADOR BAHIA: MEMÓRIA, SACRIFÍCIO E O ESFORÇO NAVAL BRASILEIRO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Autores: 2º Sgt Anderson Filipini
Segunda, 27 Outubro 2025
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Em 4 de julho de 1945, quando o mundo já experimentava os momentos finais da Segunda Guerra Mundial na Europa, a Marinha do Brasil vivenciou um de seus episódios mais trágicos. O cruzador Bahia, embarcação que desempenhava funções estratégicas no Atlântico Sul, naufragou após uma explosão acidental durante um exercício de tiro antiaéreo, vitimando 337 militares. A Marinha do Brasil relatou oficialmente que "o disparo acidental de uma metralhadora calibre 20 mm atingiu cargas de profundidade que estavam armadas, provocando a explosão que afundou o navio em poucos minutos" (MARINHA DO BRASIL, 2023).

O Almirante Lúcio Torres DIAS (in memória), um dos poucos resgatados com vida, afirmou:

                                      "Encontrava-me de serviço no camarim da máquina, quando fui surpreendido por uma forte explosão ocorrida na popa. O            choque psicológico foi terrível – o sopro da explosão varreu o convés, tudo destruindo. Estima-se que, naquele primeiro momento, mais de cem vidas se perderam. Meios de salvamento foram destroçados, o mastro tombou, e o incontrolável alagamento pelos tubos dos hélices e o rombo na popa fizeram com que o “Bahia” afundasse, verticalizado, em cerca de quatro minutos" (MARINHA DO BRASIL, 2015).

Para compreender plenamente o significado do naufrágio do Bahia, é imprescindível contextualizar a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Até 1942, o País adotava uma postura de neutralidade, contudo, a sucessiva torpedeação de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães levou à declaração de guerra ao Eixo, por parte do governo Vargas, em agosto daquele ano. Essa decisão reconfigurou o posicionamento internacional do Brasil e consolidou sua aliança com os Estados Unidos e demais potências aliadas, marcando um ponto de inflexão na política externa brasileira (DREIFUSS, 1981).

A atuação da Marinha do Brasil foi decisiva na proteção das rotas marítimas. Entre 1942 e 1945, escoltou 3.167 navios mercantes, com apenas 15 perdas registradas (NEVES, 2020).

O cruzador Bahia foi originalmente incorporado à frota brasileira em 1910, passando por sucessivas modernizações ao longo das décadas seguintes. No contexto da Segunda Guerra Mundial, a embarcação foi mobilizada para funções de escolta e patrulhamento no Atlântico, além de operar como ponto de referência para aeronaves aliadas em missões transatlânticas (MOURA, 2022).

A tragédia foi agravada pelas condições extremas enfrentadas pelos sobreviventes, que permaneceram à deriva por dias sob sol intenso, fome, sede e risco de ataques de tubarões. Apenas 36 marinheiros foram resgatados com vida, enquanto centenas sucumbiram em circunstâncias dramáticas. A perda de tantos militares, mesmo em contexto não combativo, evidencia os perigos inerentes à atividade naval durante conflitos armados. Isso destaca a necessidade de reconhecer o valor daqueles que, ainda fora da linha de frente, contribuíram decisivamente para os objetivos estratégicos da guerra (GOMES, 2021).

A participação brasileira no conflito envolveu dois principais eixos de atuação: a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que combateu na Itália, e a Marinha do Brasil, que desempenhou papel crucial na segurança das rotas marítimas no Atlântico Sul. Entre 1942 e 1945, a Marinha escoltou mais de três mil navios mercantes, assegurando um índice de sucesso de aproximadamente 99% nas missões de escolta. Além disso, realizou 66 ações ofensivas contra submarinos inimigos, contribuindo significativamente para a neutralização da ameaça submarina do Eixo na região (KNAUSS, 2022).

A chamada Batalha do Atlântico foi, portanto, um dos cenários em que se consolidou a relevância estratégica da Marinha do Brasil. Em meio a forças navais de maior envergadura, como as dos Estados Unidos e do Reino Unido, a Marinha brasileira demonstrou capacidade operacional, disciplina e profissionalismo. O saldo de mais de 1.400 militares mortos em decorrência de ataques inimigos ou acidentes operacionais não comprometeu sua atuação. Pelo contrário, reforçou o compromisso institucional com a defesa da soberania nacional e com os valores democráticos que motivaram o envolvimento do País no conflito (NEVES, 2020).

O naufrágio do Bahia, nesse contexto, assume dimensão simbólica. Ele representa o ápice do sacrifício daqueles que, mesmo após o término das principais hostilidades na Europa, continuavam a cumprir missões estratégicas com diligência e bravura. A permanência da embarcação em operação até julho de 1945, reflete o grau de comprometimento das Forças Armadas brasileiras com o esforço de guerra e a importância das rotas do Atlântico Sul na logística militar aliada (MARINHA DO BRASIL, 2023).

A preservação da memória do cruzador Bahia é, portanto, um dever institucional e cívico. O mar que silenciou a embarcação também abriga o legado daqueles que pereceram em sua missão. A cada ano, a Marinha do Brasil promove cerimônias em homenagem aos mortos, reafirmando o compromisso com a valorização da história militar nacional e a difusão dos valores de patriotismo, sacrifício e lealdade. Tais eventos, não apenas rememoram o passado, mas também educam as novas gerações quanto ao papel das Forças Armadas na consolidação da democracia e na construção da identidade nacional (FONSECA, 2023).

O episódio do Bahia, transcorrido há oito décadas, ainda ressoa como advertência e ensinamento. Ele impõe a necessidade de refletir sobre os custos humanos das guerras, mesmo em missões aparentemente rotineiras, e sobre a importância de políticas públicas voltadas à valorização da história militar. No momento em que o Brasil enfrenta desafios contemporâneos no campo da defesa e das relações internacionais, a rememoração de episódios como o do cruzador Bahia se torna fundamental para a formação de uma consciência histórica sólida e comprometida com a paz (SILVA, 2022).

O texto ressalta a importância de valorizar os brasileiros que morreram na Segunda Guerra Mundial, como os marinheiros do cruzador Bahia e os pracinhas da FEB. Com coragem, eles combateram o totalitarismo e defenderam os valores democráticos. Suas mortes representam um legado moral que exige das futuras gerações o compromisso com a paz e a soberania nacional. O exemplo desses heróis deve inspirar a memória coletiva e reforçar a história como instrumento de justiça, identidade e resistência ao esquecimento (FONSECA, 2023; SILVA, 2022).

Referências

BRASIL. Ministério da Defesa-Marinha do Brasil. 80 anos do naufrágio do cruzador Bahia. Brasília: Marinha do Brasil, 2023. Disponível em: https://www.marinha.mil.br. Acesso em: 01 jul. 2024. CASTRO, Celso. A participação da FEB na Segunda Guerra Mundial: entre a história e a memória. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2021.

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

FONSECA, Pedro Paulo. A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial: memória, esquecimento e identidade institucional. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 117-138, 2023.

GOMES, Laurentino. 1942: o Brasil e sua guerra quase desconhecida. São Paulo: Globo Livros, 2021.

KNAUSS, Paulo Roberto de Almeida. A política externa brasileira e a Segunda Guerra Mundial: alinhamento e projeção internacional. Brasília: FUNAG, 2022.

MARINHA DO BRASIL. Retrospectiva histórica da tragédia do Cruzador Bahia. Portal de Periodicos, 2015. Disponível em: https://portaldeperiodicos.marinha.mil.br/index.php/revistamaritima/article/download/6338/6053/. Acesso em: 01 jul. 2024.

MARINHA DO BRASIL. Cerimônia em homenagem aos 337 marinheiros do cruzador Bahia. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/noticias/homenagem-bahia. Acesso em: 01 jul. 2024.

MOURA, Gerson. Autonomia na dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1954. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2022.

NEVES, José Maria. História Naval Brasileira: a participação da Marinha na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2020.

OLIVEIRA, Marcos Aurélio. A Força Expedicionária Brasileira e a construção da memória nacional. Revista Brasileira de História Militar, Brasília, v. 12, n. 2, p. 89-110, 2023.

SILVA, André Coelho da. Heróis do mar e da terra: a Marinha e a FEB na construção do imaginário nacional pós-1945. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 143, n. 4, p. 55-78, 2022.


 

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