O papel dos Núcleos de Estudos Estratégicos nos Comandos Militares de Área

Autores: Cap Vinícius
Quarta, 31 Dezembro 2025
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1. Concepção dos Núcleos de Estudos Estratégicos

 

A criação dos Núcleos de Estudos Estratégicos (NEE) nos Comandos Militares de Área (C Mil A) deve ser entendida como resultado de um processo histórico marcado por transformações profundas no cenário geopolítico e militar.

Esse movimento parte de uma tendência global de adaptação das Forças Armadas (FA) às novas demandas de defesa e segurança e à crescente necessidade de inter-relacioná-las com a sociedade e a academia.

No plano internacional, a ameaça de confrontos interestatais de grande escala foi substituída por desafios difusos e de natureza transnacional, como o terrorismo, o narcotráfico, e o contrabando de armas. No caso brasileiro, somaram-se preocupações específicas, como a vulnerabilidade da Amazônia, e a necessidade de proteção dos recursos naturais estratégicos e a questão da segurança ambiental.

Esses fatores impuseram às FA a necessidade de revisar suas doutrinas, capacidades e mecanismos de análise. Inspirado por experiências de outros países, que criaram think tanks militares e centros de estudos estratégicos voltados a formular diagnósticos e prospectar cenários, o Exército Brasileiro (EB) reconheceu a necessidade de produzir conhecimento.

Nesse viés, a Portaria nº 051-EME, de 14 julho de 2003, criou o Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx), visando à elaboração de orientações estratégicas de natureza militar (não operacional), bem como o acompanhamento e a avaliação, em escala nacional, de iniciativas políticas correlacionadas aos interesses da Força Terrestre (FT).

Atualmente, o CEEEx encontra-se inserido na estrutura da 7ª Subchefia do Estado-Maior do Exército (EME) e, por meio do Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), realiza estudos de cenários prospectivos que dão suporte ao planejamento estratégico do EB, no que tange aos desafios gerados pela evolução da conjuntura e pela transformação dos ambientes, com vistas às tomadas de decisões no presente, a fim de orientar a trajetória da Força na direção do futuro desejado (CEEEx, 2025).
 

2. Capilaridade dos Núcleos de Estudos Estratégicos

 

Os NEE foram criados para representar os C Mil A em assuntos de natureza político estratégica, além de estimular a participação de instituições acadêmicas e pesquisadores regionais na Rede de Estudos Estratégicos do Exército (R3E), estabelecida no ano de 2015, com o objetivo de promover maior participação do meio acadêmico civil nos debates sobre Defesa.

A missão precípua dos NEE é fomentar a pesquisa, ampliar a integração com a sociedade e fortalecer a produção de conhecimento no nível estratégico regional, inclusive na articulação da tríplice hélice da inovação (Exército – Academia – Indústria).

Nesse ínterim, no ano de 2024, todos os C Mil A passaram a contar com um NEE formalmente constituído (Quadro 1), com a premissa de contribuir com a consciência situacional regional nos assuntos de interesse da FT.


 

Quadro 1. Núcleo de Estudos Estratégicos nos Comandos Militares de Área

Comando Militar de Área

Sede

Principais Parceiros Acadêmicos

Comando Militar da Amazônia

Manaus (AM)

ECEME, FIOCRUZ, IFAM, INPA, UEA,

UFAM, FIOCRUZ

Comando Militar do Norte

Belém (PA)

UEPA, UFPA

Comando Militar do Sudeste

São Paulo (SP)

ITA, UNICAMP, USP

Comando Militar do Sul

Porto Alegre (RS)

PUCRS, UFRGS, UNISINOS

Comando Militar do Nordeste

Recife (PE)

UFBA, UFPE, UFRN

Comando Militar do Leste

Rio de Janeiro (RJ)

ECEME, FGV, PUC-Rio, UFRJ

Comando Militar do Planalto

Brasília (DF)

ESD, UnB

Comando Militar do Oeste

Campo Grande (MS)

UFGD, UFMS

Fonte: o autor.


 

Conforme a Portaria – EME/C Ex Nº 1.536, de 28 de maio de 2025 (Brasil, 2025), a composição dos NEE é determinada pelos C Mil A, e são constituídos, preferencialmente, por oficiais superiores (ativa ou reserva), que possuam o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx), mestrado ou doutorado em áreas afins às Ciências Militares e aos Estudos Estratégicos, oriundos do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (IMM/ECEME) ou de programas reconhecidos pela CAPES.

Todavia, outros militares, de postos ou graduações diversas poderão integrar os NEE, desde que possuam o perfil acadêmico e as qualificações necessárias ao desempenho da função de Analista de Estudos Estratégicos, colaborando com a produção de estudos relacionados com os seguintes temas:


 

a. conjuntura internacional e seus impactos para a Defesa Nacional;

b. cenários estratégicos regionais e suas implicações para os C Mil A e/ou para o Exército;

c. inovações tecnológicas com impacto na Defesa;

d. integração entre Defesa e Desenvolvimento Regional e Nacional; e

e. temas específicos de interesse de cada Comando Militar de Área (Brasil, 2025, p. 8).


 

Nesse contexto, os NEE surgiram como estruturas voltadas a articular as necessidades específicas de defesa de cada região do País, servindo como espaços de reflexão, sistematização de informações e formulação de propostas estratégicas.

Assim, a implementação dos NEE nos C Mil A vai além de uma iniciativa administrativa, pois revela a expressão de um esforço mais amplo de modernização intelectual das FA, inserindo o EB no circuito de produção de conhecimento estratégico em diálogo com a academia, em sintonia com os desafios contemporâneos da defesa nacional.

Desse modo, os NEE passaram a ser espaços híbridos de reflexão, capazes de reunir militares, pesquisadores e especialistas na busca de soluções para problemas complexos de natureza estratégico-militar.
 

3. O papel dos Núcleos de Estudos Estratégicos

 

Os NEE assessoram o processo decisório dos Cmt Mil A, ao mesmo tempo que buscam promover a integração institucional com a sociedade acadêmica civil no âmbito regional.

Ao estreitar vínculos com a academia, os NEE preservam o nível de maturidade intelectual sobre assuntos da atualidade, evitando o risco de isolamento em um ambiente global marcado pela dinâmica da evolução tecnológica e pela complexidade das interações sociais e políticas.

Nesse mote, o papel dos NEE alinha-se a um contexto em que as ameaças à segurança nacional se tornaram cada vez mais complexas, difusas e interconectadas, exigindo capacidade de análise multidisciplinar, diálogo com diferentes setores da sociedade, e a atualização constante das doutrinas militares.

Para tanto, os Analistas dos NEE atuam como elementos de apoio ao Estado-Maior dos C Mil A, promovendo diagnósticos imediatos e, quando necessário, por meio da prospecção de fenômenos, a fim de antecipar tendências e propor medidas de mitigação no planejamento estratégico para lidar com cenários de incerteza e riscos multidimensionais.

Além disso, os NEE têm contribuído para a difusão de uma cultura de defesa mais ampla, que ultrapassa os limites da caserna, e tem alcançado diversos setores da sociedade civil, por meio da organização de seminários, participação em grupos de estudo e atividades de extensão acadêmica, inclusive com a criação de cursos de especialização (lato e stricto sensu) em parceria com as instituições de ensino superior.

Essa dimensão formativa é essencial para consolidar uma base social de apoio às políticas de defesa, aproximando a população dos temas estratégicos e ampliando a legitimidade da atuação das FA.

A interlocução com pesquisadores, especialistas e instituições de ensino superior permite aos C Mil A incorporar metodologias modernas de análise, utilizar evidências empíricas mais robustas e dialogar em condições de igualdade com comunidades epistêmicas tanto nacionais quanto internacionais.

Os NEE também atuam de forma integrada e interativa com outras áreas de interesse do EB, conforme se observa no Quadro 2.


 

Quadro 2. Interação dos NEE com outras áreas de interesse do EB

Legislação

Finalidade

Formas de Interação

Portaria – EME/C Ex Nº 1.451, de 4 de dezembro de 2024.

 

Apresentar os fundamentos e estabelecer a estrutura do Sistema de Comunicação Estratégica (SISCEEx), explicitando os princípios da Comunicação Estratégica (Com Estrt) no Exército Brasileiro (EB).

Integram as atividades de Comunicação Estratégica dos C Mil A.

Política do Sistema Defesa, Indústria e Academia (Minuta)

Estabelecer as premissas, a concepção geral, as orientações estratégicas e as atribuições para o funcionamento do Sistema Defesa, Indústria e Academia (SisDIA), com ênfase no fomento à mentalidade de inovação, na integração da tríplice hélice e na efetividade para a melhoria dos processos e resultados institucionais do Exército Brasileiro (EB).

Atuam em conjunto com o SisDIA, a fim de potencializar a identificação de demandas e tendências tecnológicas.

Fonte: o autor.


 

Verifica-se que os NEE, ao conectar as demandas tecnológicas dos C Mil A, contribui com o Sistema Defesa, Indústria e Academia (SisDIA) do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) para o desenvolvimento de soluções customizadas, fomentando a inovação regional e subsidiando a comunicação estratégica com temas emergentes e alinhados à missão do EB.


 

4. Considerações finais

 

Conforme visto, dada a extensão continental do Brasil, a criação e integração dos NEE à R3E correspondeu à necessidade de capilarizar a reflexão estratégico-militar no âmbito regional.

Nesse sentido, os NEE representam uma ponte entre a tradição e a inovação – pois ao mesmo tempo que preservaram a missão essencial do assessoramento estratégico, ampliaram seu escopo de atuação para abarcar novas dimensões de defesa e segurança, além de inserir o EB no fluxo contemporâneo da produção de conhecimento científico.

Assim, compete aos NEE catalisar e aprofundar a articulação dos C Mil A com a sociedade civil, em consonância com as transformações dinâmicas e complexas que caracterizam o cenário contemporâneo.
 

Referências

Brasil. Exército Brasileiro. Portaria – EME/C Ex Nº 1.536, de 28 de maio de 2025. Aprova a Diretriz para o Funcionamento e Coordenação dos Núcleos de Estudos Estratégicos nos Comandos Militares de Área (EB20-D-07.096), 1ª edição, 2025.

Brasil. Exército Brasileiro. Política do Sistema Defesa, Indústria e Academia (Minuta), 2025.

Brasil. Exército Brasileiro. Portaria – EME/C Ex Nº 1.451, de 4 de dezembro de 2024. Aprova a Diretriz Estratégica Organizadora do Sistema de Comunicação Estratégica do Exército (EB20-D-02.039), 2024.

CEEEx. Centro de Estudos Estratégicos. Núcleo de Estudos Prospectivos, 2025. Disponível em: https://ceeex.eb.mil.br/index.php/gestao/conheca-o-nep. Acesso em: 23 Set. 25.

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