Infraestrutura digital na Era da Informação e sua importância para as operações militares

Autores: Maj Vinícios Martins do Vale
Quarta, 03 Dezembro 2025
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A importância crescente da dimensão informacional nas operações militares

Em fins da década de 1990 e início dos anos 2000, analistas militares já apontavam para o papel da informação e da comunicação como fatores determinantes nos conflitos contemporâneos. Os generais chineses Liang e Xiangsui identificaram em sua obra, “Guerra Irrestrita” (1999), a importância da cobertura midiática norte-americana na primeira Guerra do Golfo, enquanto Frank Hoffman, oficial fuzileiro norte-americano responsável por popularizar o conceito de “Guerra Híbrida”, verificou o mesmo fenômeno durante os conflitos entre o Hezbollah e Israel no seu artigo “Conflito no séc. XXI: a ascensão das Guerra Híbridas” (2007).

Logo após a anexação da península da Crimeia por parte da Federação Russa em 2014, Andrew Korybko, acadêmico ligado ao governo russo, lançou seu livro “Guerras Híbridas: das Revoluções Coloridas aos Golpes” (2015), no qual explora a crescente capacidade de mobilização das redes sociais e sua instrumentalização em operações de desestabilização política e social. Apesar das diferentes nacionalidades e contextos históricos, esses analistas convergiram ao apontarem a Dimensão Informacional como um fator fundamental de atenção para autoridades civis e militares no contexto geopolítico moderno.

Corroborando os prognósticos desses destacados intelectuais, verifica-se hoje um amplo debate acerca da regulação das redes sociais, das possibilidades e riscos do avanço da Inteligência Artificial (IA), dos perigos ligados ao uso de Deep Fakes, entre outros temas abarcados pelo conceito de “Desinformação”. Um aspecto pouco explorado nesse debate, porém, é a infraestrutura que torna possível esse fluxo cada vez maior de dados, os “bastidores” da internet, baseada em dispositivos que tornam possível a operacionalização da chamada “nuvem”.

Uma vasta gama de dispositivos físicos, como Data Centers, cabos submarinos e satélites, é responsável por garantir a conectividade mundial. Eles exigem elevados investimentos financeiros e capacidade tecnológica, além de dependerem de matérias-primas controladas por países específicos. A infraestrutura digital é hoje palco de intensas disputas geopolíticas, as quais influem no âmbito militar e civil de todas as nações.

Data Centers, os “armazéns de dados”

Data Centers são instalações que, em uma explicação simplificada, armazenam, processam e distribuem dados. Calcula-se que em torno de 95% do fluxo de dados na internet mundial transitem por eles. Nessas instalações, há dispositivos diversos, tais como servidores, sistemas de armazenamento de dados, sistemas de rede, unidades de processamento, dispositivos de suprimento de energia e de esfriamento dos equipamentos, entre outros.

Atualmente, quase a metade dessas instalações encontram-se nos Estados Unidos da América (EUA), que possuem aproximadamente 5.426 Data Centers. Os EUA são seguidos, de longe, por Alemanha (529), Reino Unido (523) e China (449). O Brasil possui atualmente 159 centros.

Há uma corrida em curso para a construção desses centros pelo mundo, causada em grande parte pelo desenvolvimento da IA. Além do maior consumo de energia por parte de uma operação de IA (aproximadamente 10x maior que uma simples busca no Google), ela requer ainda mais capacidade de processamento e armazenamento de dados, pressionando a demanda por mais Data Centers. Para atender essa demanda, porém, mesmo os países desenvolvidos têm encontrado diversos obstáculos.

A construção dos centros demanda uma ampla gama de metais críticos, assim como semicondutores de alta capacidade de processamento. Enquanto EUA e Taiwan dominam a tecnologia de produção desses semicondutores avançados, a China detém controle sobre a cadeia de suprimento dos metais críticos, entre eles as “Terras Raras”. Além dessas restrições, o consumo energético dessas instalações exerce grande pressão sobre os sistemas elétricos nacionais e regionais. Estima-se que, em 2022, aproximadamente 2% da eletricidade mundial foi consumida por Data Centers, IA e cripto moedas. Em 2026, prevê-se que esse consumo alcance o dobro, 4%.

Nos EUA, o consumo dos centros, atualmente, aproxima-se dos 4% da energia elétrica produzida, com estimativas de alcançar 9% em 2030. Na Irlanda, a proporção de energia elétrica utilizada para alimentar essas instalações alcança 21%, com previsão de chegar aos 31% em três anos, o que o torna o país com maior proporção de consumo elétrico por Data Centers no mundo. Percebe-se, a partir desses dados, que o desenvolvimento dessas instalações vitais para a infraestrutura digital traz desafios e maior necessidade de planejamento para os estados nacionais, incluindo o fomento da capacitação de mão de obra altamente especializada.

Conflitos militares e a proteção de dados sensíveis

Com a invasão russa da Ucrânia, deflagrou-se um protocolo inédito dentro da infraestrutura digital mundial: a massiva transferência de dados de Data Centers localizados na Ucrânia para outros países da Europa, principalmente a Polônia. Nesse processo, as principais Big Techs mundiais (Microsoft, Google e Amazon) auxiliaram o governo ucraniano a transferir e proteger os dados militares e civis considerados críticos para a condução de operações militares e para a continuação dos serviços públicos.

Logo no início da invasão, surtidas aéreas russas atingiram instalações governamentais e infraestrutura crítica, danificando Data Centers e cabos de internet. Esses ataques degradaram a infraestrutura digital ucraniana consideravelmente, porém a operação de transferência dos dados auxiliou no restabelecimento dos serviços públicos e na condução de operações militares, após o impacto inicial da invasão, já que garantiu o armazenamento seguro e a disponibilidade dos dados essenciais.

A Estônia, país báltico fronteiriço à Federação Russa, possui um plano de contingência para o caso de ataques cibernéticos ou ataques cinéticos a sua infraestrutural digital. Dados críticos são armazenados em Data Centers de Luxemburgo, pequeno país europeu, em um modelo denominado “embaixada de dados”. Após ser alvo do que é considerado o primeiro ataque digital estatal na história, ocorrido em 2007, quando a Rússia invadiu e interditou o sistema digital estoniano devido a atritos diplomáticos, o país passou a planejar soluções para garantir a segurança de sua infraestrutura digital em caso de uma invasão militar.

As vias amplas das redes digitais: os cabos submarinos

Apesar do recente desenvolvimento das comunicações satelitais, os cabos de fibra ótica continuam sendo a artéria vital no fluxo de dados mundial. Os cabos terrestres e os cabos submarinos, que interligam as grandes massas terrestres ao redor do globo, são responsáveis pelo trânsito de aproximadamente 95% do fluxo mundial de dados.

Os cabos submarinos não são uma novidade da Era da Informação. No início do século XIX, esses cabos, feitos de cobre, começaram a ser instalados como canais para a transmissão dos sinais telegráficos. Durante o restante daquele século, desenvolvimentos tecnológicos permitiram a expansão da rede de cabos submarinos, com o primeiro cabo transatlântico sendo inaugurado em 1858. Em meados no século XX, eles passaram a transmitir sinais de voz e, no final deste mesmo século, a fibra ótica foi inventada e aperfeiçoada, substituindo os cabos de cobre nas comunicações de longa distância.

A construção, manutenção e segurança de cabos de fibra ótica tornaram-se temas críticos na geopolítica atual. A hegemonia que o Ocidente, notadamente os EUA, possuía na propriedade e na instalação desses cabos passou a ser contestada, principalmente pela China e pela Rússia. Esses dois países despertaram a preocupação quanto à estrutura física de internet em suas doutrinas de segurança nacional, fomentando a atuação de suas empresas estatais nesse mercado, tanto para a construção de infraestrutura própria quanto para outros países.

A capacidade tecnológica de instalação de cabos submarinos fornece vantagens extraordinárias para os países que a dominam. Além de possibilitar um incremento no seu fluxo de dados, vital na Era da Informação, essa capacidade também torna possível a filtragem dos dados que transitam por eles de acordo com as necessidades de inteligência dos países que a detém. Recentemente, os EUA negaram permissão para a construção de cabos submarinos que conectariam sua rede a Hong Kong pela razão de firmas chinesas integrarem o projeto, alegando que o país asiático possui um amplo programa de espionagem por meio da filtragem desses cabos.

A interceptação de dados que fluem por meio de cabos é atividade recorrente no âmbito das telecomunicações. Os EUA, por meio do projeto “SHAMROCK”, determinavam que as companhias privadas operadoras de cabos telegráficos em seu território eram obrigadas a fornecer para agências governamentais o conteúdo dos dados que transitavam por seus canais durante a Segunda Guerra Mundial. No período da Guerra Fria, os EUA conseguiram, por infiltração submarina, instalar equipamentos de interceptação em um cabo submarino soviético, coletando dados por aproximadamente uma década por meio da denominada Operação “IVY BELLS”. Recentemente, o agente norte-americano Edward Snowden revelou um gigante programa de coleta de dados por meio da interceptação de cabos, o chamado programa “PRISM” norte-americano e o “TEMPORA” executado pela Inglaterra.

Satélites: a busca da supremacia informacional no domínio espacial

Apesar de serem responsáveis por uma diminuta porção no fluxo mundial de dados, os satélites são uma tecnologia vital na infraestrutura digital moderna, principalmente no campo militar, como tem demonstrado a Guerra da Ucrânia.

Os satélites possuem três principais funções. A primeira, de servir como equipamento de telecomunicações, está ligada ao seu uso como provedor de acesso à internet e, no campo de batalha, como instrumento de Comando e Controle. Outra importante função é a de realizar Inteligência, Vigilância e Reconhecimento utilizando instrumentos optrônicos voltados para a observação terrestre. Por último, há a função Positioning, Navigation and Timing (PNT) voltada para orientação e navegação, tal como o sistema norte-americano Global Positioning System (GPS).

Desde o lançamento em órbita do primeiro satélite artificial, realizado pela União Soviética em 1957, esses equipamentos experimentaram uma vertiginosa evolução tecnológica. Na década de 1960, o desenvolvimento de satélites geoestacionários (aqueles que possuem um ponto fixo em relação à Terra, acompanhando sua rotação) possibilitou avanços nas telecomunicações, como a transmissão de programas televisivos para todos os locais do globo terrestre.

Segundo diversos pesquisadores, a globalização da informação atingiu um estágio avançado em 1991, quando o canal de notícias norte-americano CNN, por meio de uma robusta rede de satélites, transmitiu em tempo real a Guerra do Golfo (invasão do Iraque por tropas de uma extensa aliança de países capitaneada pelos EUA) para todo o planeta. A visão norte-americana do conflito tornou-se hegemônica, contribuindo para a legitimação das operações militares desenvolvidas.

Com a Guerra da Ucrânia, o domínio espacial demonstrou sua relevância para o combate moderno. A empresa Starlink, uma das pioneiras no fornecimento de internet comercial via satélite, colocou à disposição das forças armadas ucranianas seus serviços, aperfeiçoando as capacidades de Comando e Controle destas. A Starlink, assim como outras empresas provedoras de internet satelital, contam hoje com constelações de satélites LEO (Low Earth Orbit), os quais, por sua maior proximidade com a Terra, aumentaram a velocidade de transmissão de dados.

Porém, a dependência das forças armadas ucranianas em relação às comunicações satelitais da Starlink revelou as limitações do uso de empresas comerciais estrangeiras em operações militares. Temendo represálias pelo uso militar de sua infraestrutura comercial, a StarLink restringiu o uso de sua rede a determinados tipos de operação militar, ameaçando diversas vezes a interrupção de seus serviços na Ucrânia, colocando em risco as comunicações das forças ucranianas.

As constelações satelitais norte-americanas, ao demonstrarem na guerra da Ucrânia suas capacidades, atraíram a atenção de rivais geopolíticos dos EUA, especialmente os chineses. A China passou a financiar com vultosos recursos estatais empresas que desenvolvem, lançam e operam redes satelitais, como a SpaceSail. Esses investimentos se fizeram sentir nos últimos anos, quando o país seguidamente aumentou seus equipamentos satelitais em órbita, ameaçando ter condições de, em poucas décadas, contestar a hegemonia norte-americana no espaço.

Além do aspecto militar, as redes satelitais chinesas inserem-se no contexto da “Rota da Seda Digital”, um programa oficial lançado em 2015 e que visa tornar a China um dos centros globais da infraestrutura digital mundial.

A Guerra da Ucrânia demonstrou ainda, em relação ao domínio espacial, a intenção de Rússia e EUA não escalonarem o conflito, já que as duas potências, assim como a China, possuem sistemas de mísseis capazes de infligir danos cinéticos a satélites considerados hostis. A Rússia, em especial, vem utilizando meios de Guerra Eletrônica para bloquear operações hostis no domínio espacial, apesar de ter em 2021, em um exercício, derrubado um satélite desativado, atraindo fortes reprimendas da comunidade internacional pela intensa “militarização” do domínio espacial.

Soberania de dados: uma perspectiva no domínio informacional

Pela ampla quantidade de instalações, equipamentos e desenvolvimentos tecnológicos necessários para sustentar a moderna infraestrutura digital global, constata-se a complexidade e a alta demanda por investimentos para que uma nação tenha um papel ativo no domínio informacional.

Novos conceitos, tais como “Soberania de Dados” e “Colonialismo de Dados” surgem para abordar problemáticas que se intensificam velozmente na Era da Informação. Eles estão ligados à busca, por parte de diversos estados nacionais, de obter e manter o controle sobre os dados que seus cidadãos, suas organizações privadas e seus órgãos governamentais (principalmente aqueles ligados à área da Defesa) produzem. Seja por meio de regulações legislativas ou investimentos em infraestrutura, procura-se manter uma autonomia relativa para atuar eficazmente no ambiente informacional.

Na conjuntura atual, de rápida digitalização de todos os aspectos das sociedades modernas, uma especial atenção é dirigida no cenário internacional para a questão da infraestrutura digital. Nos conflitos modernos, sendo a Guerra da Ucrânia o mais emblemático destes, o emprego de drones, ciberataques e satélites com fins militares tornou-se comum, surgindo a necessidade de se levarem em consideração essas novas tecnologias em todos os níveis do planejamento militar. Da mesma maneira, nos aspectos econômicos e políticos das sociedades, essas considerações tornam-se imprescindíveis para o alcance da modernidade e da soberania.

CATEGORIAS:
Ciência e Tecnologia

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