O dia 2 de dezembro do corrente ano assinala o bicentenário de nascimento daquele que é considerado por muitos, o maior estadista brasileiro de todos os tempos: Dom Pedro II.
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança nasceu no Palácio de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro, filho de Dom Pedro I e da Imperatriz Maria Leopoldina, precedido por quatro irmãs mais velhas: a Rainha Dona Maria II de Portugal (1819-1853), e as Princesas Dona Januária (1822-1901), Dona Paula (1823-1833) e Dona Francisca (1824-1898).
Com pouco mais de um ano de vida, sua mãe morreu durante um parto e dois anos depois, seu pai contraiu novas núpcias com Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), com quem sempre teria um ótimo relacionamento até a sua morte.
Em 7 de abril 1831, como resultante da última grave crise do Primeiro Reinado, seu pai abdicou do trono e seguiu para a Europa, a fim de reivindicar o Trono Português para sua filha mais velha.1
Antes de partir, D. Pedro I entregou a formação dos filhos a José Bonifácio de Andrada, seu antigo ministro, a Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, a quem o futuro D. Pedro II considerava sua mãe de criação e carinhosamente chamava de “Dadama” e, ao seu amigo Rafael, um veterano negro da Guerra da Cisplatina, empregado do paço.
Durante 9 anos, enquanto o País era governado por uma regência, o príncipe se preparou para o exercício do poder: mantinha uma rotina severa de estudos que ia das sete da manhã às nove da noite, com aulas de português, literatura, francês, inglês, alemão, escrita e geografia, ciências naturais, desenho e pintura, piano e música, esgrima e equitação, desenvolvendo a curiosidade científica e o hábito da leitura que o acompanhariam ao longo da vida.
Em 1840, a instabilidade política exigia uma figura que simbolizasse a unidade nacional e fez com que a maioridade do príncipe, então com 14 anos, fosse antecipada e o mesmo coroado “Dom Pedro II. Por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil".
A partir daí sua vida confundiu-se com a história do País.
Em 1843, casou-se com Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias com quem teve 4 filhos, dois meninos mortos ainda criança e duas moças, as Princesas Isabel e Leopoldina que atingiram a vida adulta.
Após um início tímido em que se manteve influenciado por um grupo palaciano, o Clube da Joana2, D. Pedro II fez valer a esmerada educação que recebeu, tornando-se mais confiante a cada dia e assumindo efetivamente as rédeas do Estado, justamente no momento em que ele mais necessitava.
Em 1845, a revolta dos Farrapos finalmente foi debelada por Caxias. Três anos depois, o último movimento sedicioso do período imperial, a Revolta Praieira, era derrotado.
Consolidada a unidade nacional, os inimigos externos se apresentaram: os caudilhos Juan Manuel de Rosas (Argentina), Manuel Oribe e Atanasio Aguirre (uruguaio) e Solano López (paraguaio).
O primeiro, depois de dizer que faria de D. Pedro II seu mordomo, fugiu derrotado para Inglaterra. Os uruguaios foram depostos. O paraguaio morreu lutando.
No que se refere a esse último conflito, o Imperador chegou a se dirigir ao teatro de operações, onde assistiu a rendição das tropas guaranis em Uruguaiana.3
A partir daí o Império viveu seu apogeu.
D. Pedro II soube se manter equidistante dos 2 partidos existentes, o Conservador e o Liberal, usando com maestria as faculdades que o Poder Moderador4 lhe dava.
Data desse período um vertiginoso crescimento econômico, com construção de portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, companhias de navegação, bancos, uma incipiente industrialização com as primeiras manufaturas de bens de consumo doméstico, um marcante desenvolvimento do setor cafeeiro e a criação de inúmeras instituições de ensino.
Serenado o cenário político, D. Pedro II pôde realizar suas conhecidas viagens pelo globo, oportunidades em que sua cultura serviu como excelente propaganda do Brasil e lhe granjeou a alcunha de “Neto de Marco Aurélio”. 5
Essa quadra foi marcada também pela intensificação da luta pela abolição da escravidão que teve na Família Imperial uma grande campeã.
Em 1850, sob forte pressão britânica, foi aprovada a Lei Eusébio de Queiróz que proibia o tráfico transatlântico de escravos. Além disso, 21 anos depois, era promulgada a Lei do Ventre Livre, declarando livres todos os escravos nascidos a partir de então. E 14 anos mais tarde, era a vez dos sexagenários serem libertos.
Ciente desse invejável progresso, surgiram também as primeiras contestações ao regime monárquico.
Em 1872 teve início a Questão Religiosa, envolvendo os bispos de Olinda e Belém que durou até 1875 e terminou com sério desgaste para o imperador, e na década seguinte, a Questão Militar, uma querela administrativa que ganhou ares políticos.
Em ambas D. Pedro agiu de acordo com a constituição vigente 6
A tudo isso se somava a insatisfação das classes dominantes das províncias com o modelo de estado unitário que vigorava, com forte centralização nem sempre atendendo as suas demandas.
O dobre de finados do Império deu-se em 1888, com a abolição da escravidão depois de 388 anos de existência e a insatisfação dos proprietários de escravos, os “Republicanos de 14 de maio”.
Em um último esforço de sobrevivência, D. Pedro II convidou Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de Ouro Preto, do Partido Liberal para formar o governo.
Ouro Preto veio munido de um revolucionário programa de governo que poderia ter atendido as demandas existentes se seu mandato à frente do Conselho de Ministro não tivesse sido interrompido em 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República.
O imperador se encontrava em Petrópolis e só chegou ao Rio de Janeiro no dia seguinte. Sem mostrar amargura, raiva ou qualquer outro baixo sentimento, não acatou nenhuma das sugestões de resistência e com toda a dignidade seguiu com sua família para a Europa.
Contava com 64 anos, governava o Brasil desde os 14. Consumira a vida no Serviço Público, onde sua atuação fora sempre exemplar.
Havia visto dois filhos morrerem na primeira infância, uma filha, a princesa Leopoldina, com 23 anos e uma meia irmã, Maria Amélia de Bragança aos 21.
Considerou a deposição de sua aposentadoria.
A Família Imperial foi embarcada em um navio e escoltada até Portugal, sendo logo em seguida banida e proibida de retornar ao País.
Pouco mais de 3 semanas após a chegada na Europa, a Imperatriz faleceu, deixando-o viúvo depois de 46 anos de matrimônio.
D. Pedro II viveria mais 2 anos, morando em hotéis modestos com quase nenhum recurso até falecer de pneumonia em 5 de dezembro de 1891 em Paris.
Suas derradeiras palavras foram: "Deus que me conceda esses últimos desejos — paz e prosperidade para o Brasil".
REFERÊNCIAS
LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II (1825–1891): Ascensão (1825–1870). 1. Belo Horizonte: Itatiaia. 1977.
LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II (1825–1891): Fastígio (1870–1880). 2. Belo Horizonte: Itatiaia. 1977.
LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II (1825–1891): Declínio (1880–1891). 3. Belo Horizonte: Itatiaia. 1977.
OLIVIERI, Antonio Carlos. Dom Pedro II, Imperador do Brasil. São Paulo: Callis. 1999.
ROSA, Carlos Mário de Souza Santos. 160 anos da rendição de Uruguaiana. Eblog. Brasília. 17 Setembro 2025. Disponível em: https://eblog.eb.mil.br/w/160-anos-da-rendi%C3%A7%C3%A3o-de-uruguaianaAcesso em 30 de setembro de 2025.
SCHWARCZ, Lilia Moritz As Barbas do Imperador. Dom Pedro II, um monarca nos trópicos 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.
1Guerra Civil Portuguesa, também conhecida como Guerras Liberais, Guerra Miguelista ou Guerra dos Dois Irmãos, foi a guerra civil travada em Portugal entre os liberais constitucionalistas liderados por D. Pedro I (IV em Portugal) e os tradicionalistas sob o comando de D. Miguel, sobre a sucessão real, que durou de 1828 a 1834 e terminou com a vitória dos liberais.
2 Clube da Joana ou Facção Áulica foi um grupo político que se reunia na residência do mordomo da Casa Imperial de Dom Pedro II, Paulo Barbosa Silva, situada nas proximidades da Quinta da Boa Vista e perto do Rio Joana (donde a designação), liderados por Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, político conservador que exercia forte influência sobre o jovem e ainda inexperiente imperador do Brasil
3 ROSA, Carlos Mário de Souza Santos. 160 anos da rendição de Uruguaiana. Eblog. Brasília. 17 Setembro 2025. Disponível em: https://eblog.eb.mil.br/w/160-anos-da-rendi%C3%A7%C3%A3o-de-uruguaianaAcesso em 30 de setembro de 2025.
4 Quarto poder de Estado existente no Brasil durante o Período Imperial, com a função de garantir a estabilidade e a harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Atribuído exclusivamente ao Imperador.
5 Imperador Romano que governou entre 161 e 180 D.C. Conhecido por sua erudição.
6 Constituição de 25 de março de 1824.
Comentarios