REINSERÇÃO NO MERCADO: A AÇÃO SOCIAL “CONTRATE UM VETERANO”

Autores: S Ten Julio Cezar Rodrigues Eloi
Sexta, 23 Maio 2025
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Nas últimas décadas, o olhar acadêmico tem se concentrado cada vez mais nos casos dos veteranos militares (Armstrong, 2025). Nesse sentido, a literatura documentou problemas que surgem no reingresso à vida civil, que podem incluir a falta de moradia, problemas de saúde mental, criminalidade e até mesmo o abuso de substâncias tóxicas (Armstrong, 2025).

Dessa maneira, significativa parte da atenção acadêmica se concentrou nos poucos veteranos que se encontram em situações extremas (Armstrong, 2025). A bem da verdade, a vasta maioria é considerada por uma transição "sem problemas", por conta do status de emprego e ausência de problemas sociais/ saúde sérios (Armstrong, 2025).

Este artigo tratará do termo “veterano”, instituído pela Portaria - C Ex nº 1.521, de 10 de maio de 2021, como forma de tratamento nas atividades de comunicação social, com os militares da reserva remunerada e reformados, estendida posteriormente aos da reserva não-remunerada (CNOR/ 2022). Combinada à condição dos veteranos militares, o artigo é motivado pela reinserção no mercado de trabalho, relevante para a readaptação à vida civil.

Para o brigadeiro-general do Exército Português Henrique José Pereira dos Santos (2023), o termo veterano se relaciona a vários conceitos, tais como: “militar, voluntário, contratado, quadro permanente, disponibilidade, reserva, reforma e efetividade de serviço”. O oficial europeu prossegue que um veterano tem subjacente, dentre outras, as ideias de dedicação, conhecimento, maturidade, espírito de corpo, camaradagem e lealdade.

Trata-se de indivíduo experiente, disciplinado, consciente do seu papel na sociedade, que serviu ao país com abnegação e, muitas vezes, com sacrifício pessoal e familiar (Pereira dos Santos, 2023). Decorrente da condição militar, os veteranos são dotados do espírito de cumprimento de missão, internalizado ao longo de vida profissional intensa, exigente e, por vezes, arriscada (Pereira dos Santos, 2023).

Embora os militares do quadro permanente ao final da carreira ingressem na reserva remunerada, os egressos do serviço militar temporário necessitam se adaptar agilmente ao mercado de trabalho civil. Há casos específicos de militares de carreira na “burocracia civil” (Schmidt, 2022), que pela situação possuem maior tempo para se adaptarem à nova condição, distintos dos temporários, cuja maioria advém do serviço militar obrigatório.

Das competências desenvolvidas no militarismo, aliada à necessidade de reinserção no mercado, Cesar Galdino Filho criou a ação social “Contrate Veteranos”. Oriundo do Curso de Formação de Oficiais de Intendência, do Centro de Preparação de Oficiais de São Paulo (CPOR/ SP), é 1º tenente da reserva não remunerada, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e analista da Assembleia Legislativa do referido Estado (ALESP).

A título de contextualização, diversas pesquisas focaram na compreensão do processo de reinserção de veteranos militares após a desmobilização de conflitos (Collins, Dilger, Dortch, Kapp, Lowry & Perl, 2014; Fujita, Ramey & Roded, 2024; Meron, 2009; Perkins, Davenport, Morgan, Aronson, Bleser, McCarthy, Vogt, Finley, Copeland & Gilman, 2023; Rabb & Eggleston, 2023. Apesar de o Brasil não participar de campanhas recorrentes ao redor do globo, tem se dedicado fortemente às operações de manutenção da paz, treinamentos e atividades subsidiárias, buscando-se manter em constante prontidão, que é coerente ao seu pacifismo.

Para proteger seu vasto território, o país deve manter Forças Armadas aptas a serem empregadas conforme a destinação constitucional. Assim sendo, anualmente, na medida em que acontecem as incorporações e admissões por concursos públicos, ocorrem os licenciamentos e transferências para a reserva remunerada e reformas, oxigenando a instituição.

Conhecido nas redes sociais como “tenente Galdino”, sua proposta visa apoiar à contratação dos veteranos, como forma de mitigar a problemática recorrente das reinserções na vida civil por ex-militares, cuja necessidade maior se refere aos temporários. O projeto se iniciou em 2013, como “Reserva Ativa”, tendo apoio do empresário Fábio Paulo Ferreira, então vice-diretor da Distrital Oeste do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP).

A motivação do projeto é verbalizada por Galdino: “pelas próprias peculiaridades do meio militar, estes profissionais acabam não tendo contato com o mundo empresarial e por isso seu network acaba sendo bastante limitado” (Galante, 2016). O referido ex-militar complementa ainda que “a saída era criar um ambiente online onde pudessem estar reunidos seus currículos e vagas de empresas interessadas neste diferenciado e qualificado público” (Galante, 2016).

Os valores citados pelo veterano em tela, como “honestidade, lealdade, pontualidade e patriotismo são valores que qualquer empresa desejará ter em seus colaboradores”, em muito se assemelham aos descritos no artigo do oficial general português Pereira dos Santos em 2023. Cabe destacar que a iniciativa de criar uma ponte entre os veteranos brasileiros e o mercado de trabalho tem sido noticiada por diversos portais, que a exemplo do Forças Terrestres (Galante, 2016), incluem-se Administradores (2015), Defesanet (Fan, 2016), Exame (2014a e 2014b; Serrano, 2025), e Defesa Aérea & Naval (Padilha, 2025).

Adiante o projeto “Reserva Ativa” remodelou-se na ação social “Contrate Veteranos”, em parcerias com empresas de logística, segurança, tecnologia da informação etc, que buscam profissionais com valores inerentes ao militarismo, como: resiliência, flexibilidade, disciplina, espírito de grupo e liderança (Padilha, 2025). Complementarmente, justifica-se que contratar veteranos aproveita o investimento feito pela sociedade (Padilha, 2025).

Figura 1 – Valores inerentes ao militarismo, as soft skills dos militares

Fonte: palestra da ação social “Contrate um Veterano” (2025).

 

Na estimativa da ação social, ocorrem mais de 100 mil licenciamentos anualmente, em que acima de 70 mil são de soldados do serviço militar obrigatório. Ademais, assinala-se que o aumento do efetivo de temporários reduz a cauda previdenciária, melhorando as contas públicas.

Por outro lado, a medida que crescem os efetivos de militares temporários, pontua-se que os sargentos e tenentes permanecem por tempo maior nas Forças, dadas as melhores remunerações que recebem. Todavia, para o proponente da ação social, ao serem licenciados, também enfrentam o problema da recolocação profissional, pois nem sempre o mundo corporativo visualiza de forma efetiva o período passado na caserna.

O objetivo da proposta de ação social é afastar os veteranos de 3 riscos: desemprego, subemprego e/ ou empregos precarizados que não aproveitam o potencial dos militares, além do crime organizado, que pode aliciar jovens vulneráveis. Ressalta-se que contratar ex-militares, incluídos os familiares, é uma ação social, pois parte significativa provém de áreas carentes.

Pela proposta, o serviço militar deve ser visto pelos egressos como uma espécie de trampolim para a carreira profissional, na expectativa de que terão acesso às empresas graças à experiência na caserna. Assim, o autor orienta nas palestras que apenas aqueles que obtiverem boa conduta serão encaminhados aos recrutadores após o licenciamento das Forças Armadas.

É importante destacar que no desenvolvimento da ação social, foi possível inferir que as empresas gostam dos militares porque integram um público heterogêneo: pretos, pardos, mulheres e outras etnias existentes na população brasileira, no exemplo de indígenas e orientais etc. Digno de nota, cita-se o crescente número do segmento feminino integrante às Forças Armadas, com 2025 sendo o primeiro ano do alistamento para as mulheres, com mais de 21 mil voluntárias.

A concepção da ação “Contrate Veteranos”, apoiada nas soft skills desenvolvidas nas unidades militares incorpora as palestras sobre a transição de carreira para a vida fora dos quartéis, preenchimento de currículo, cadastro no LinkedIn, networking, posicionamento no mercado de trabalho civil, saúde mental, competências transferíveis etc. Com mais de 1.000 ex-militares cadastrados e acima de 50 contratados, a ação social busca trazer para as Forças Armadas a metodologia do outplacement que as grandes empresas praticam, fornecendo suporte para os colaboradores desligados.

Reforçando a justificativa para a ação, Galdino explica que “para a formação de um militar, mesmo que temporário, são destinados milhares de reais em recursos públicos” (Padilha, 2025). Complementarmente, orienta que “contratando esses veteranos, as empresas estão contribuindo para que esses recursos sejam reaproveitados de forma plena pela sociedade, além de afastá-los do desemprego” (Padilha, 2025). Para informações mais detalhadas sobre a ação social em tela, sugere-se acessar o seguinte link: http://www.planodechamadas.com.br/ .

A ação social proporciona um relacionamento com as empresas para explicar quem são os militares, algo inexistente em outras plataformas de emprego como a Catho, Infojobs e LinkedIn. Os resultados obtidos do trabalho de campo indicam que os comandantes das unidades estão mais conscientes sobre o problema, buscando valorizar os cidadãos que passaram pelas Forças Armadas, pois são o principal patrimônio da instituição, o capital humano.

Para a Estratégia Nacional de Defesa – END (Brasil, 2020), o serviço militar “gera oportunidades de aprimoramento pessoal e profissional”. Considerando a escassez de políticas públicas para juventude, pode-se compreender que o serviço militar se constitui temporariamente como um grau de proteção e de estímulo a projetos de vida futuros (Soares, Lopes, Poubel, Pereira & Laquini, 2018).

Nesse sentido de política pública, pontua-se que a Portaria Normativa nº 1259-MD, de 19 de outubro de 2004, estruturou o Programa de Assistência e Cooperação das Forças Armadas à Sociedade Civil/ Soldado Cidadão, que é uma ação permanente e com recursos previstos no orçamento da União e cursos ministrados por entidades parceiras como SENAI, SENAC, SENAT, SENAR e SEBRAE. Ao final, aqueles que obtiverem êxito na capacitação, fazem jus ao certificado de conclusão expedido pela respectiva instituição de ensino e são incluídos no Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens – PNPE (Santos, 2024).

As iniciativas de capacitação para o mercado de trabalho, como objetivo de políticas públicas nas Forças Armadas se aliam às propostas privadas, como o antigo projeto “Reserva Ativa” e a ação social “Contrate um Veterano”. Por fim, são justificadas as recomendações para a disponibilização de serviços de reinserção profissional, como formação, outplacement e aconselhamento profissional, que permitam não somente a integração no mercado de trabalho, mas também a readaptação à vida civil (Boene, 2009; apud Monteiro, Oliveira & Daniel, 2015).

 

REFERÊNCIAS

Administradores. (2015). Site reúne currículos de militares da reserva das Forças Armadas . Recuperado de https://www.administradores.com.br/noticias/site-reune-curriculos-de-militares-da-reserva-das-forcas-armadas . Acesso em: 09 Mar. 2025.

Armstrong, E. (2025). British Army Veterans’ Experiences of the Transition into Civilian Life: An Ultra-Realist Perspective. Taylor & Francis. Recuperado de https://api.taylorfrancis.com/content/books/mono/download?identifierName=doi&identifierValue=10.4324/9781003493495&type=googlepdf . Acesso em: 09 Mar. 2025.

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Brasil. (2021). Portaria – C Ex nº 1.521, de 10 de maio de 2021. Institui o termo "veterano" no trato com os militares da reserva remunerada e reformados, no âmbito do Comando do Exército. Recuperado de https://www.sgex.eb.mil.br/sistemas/boletim_do_exercito/copiar.php?codarquivo=1889&act=bre . Acesso em: 09 Mar. 2025.

Brasil. (2004). Portaria Normativa nº 1259-MD, de 19 de outubro de 2004. Dispõe sobre o Programa de Assistência e Cooperação das Forças Armadas à Sociedade Civil/Soldado Cidadão e institui o seu Comitê Gestor. Brasília: Ministério da Defesa.

Collins, B., Dilger, R. J., Dortch, C., Kapp, L., Lowry, S., & Perl, L. (2014). Employment for veterans: Trends and programs. Recuperado de https://sgp.fas.org/crs/misc/R42790.pdf . Acesso em: 09 Mar. 2025.

Conselho Nacional de Oficiais da Reserva [CNOR]. (2022). Nota de esclarecimento sobre a utilização do termo “veterano”. Recuperado de https://cnor.org.br/wp/2022/09/13/nota-de-esclarecimento-sobre-a-utilizacao-do-termo-veterano/ . Acesso em: 09 Mar. 2025.

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Fan, R. (2016). Militares da reserva e familiares contam com plataforma exclusiva de busca de empregos e cadastramento de currículos. Defesanet. Recuperado de https://www.defesanet.com.br/terrestre/militares-da-reserva-e-familiares-contam-com-plataforma-exclusiva-de-busca-de-empregos-e-cadastramento-de-curriculos/ . Acesso em: 09 Mar. 2025.

Fujita, S., Ramey, V. A., & Roded, T. (2024). Why Didn't the US Unemployment Rate Rise at the End of WWII?  National Bureau of Economic Research. Recuperado de https://www.nber.org/system/files/working_papers/w33041/w33041.pdf . Acesso em: 09 Mar. 2025.

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Padilha, L. (2025). Ação social ajuda militares veteranos a se recolocarem no mercado de trabalho. Defesa Aérea & Naval. Recuperado de https://www.defesaaereanaval.com.br/divulgacao/acao-social-ajuda-militares-veteranos-a-se-recolocarem-no-mercado-de-trabalho . Acesso em: 09 Mar. 2025.

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Perkins, D. F., Davenport, K. E., Morgan, N. R., Aronson, K. R., Bleser, J. A., McCarthy, K. J., Vogt, D; Finley, E. P; Copeland, L. A. & Gilman, C. L. (2023). The influence of employment program components upon job attainment during a time of identity and career transition. International Journal for Educational and Vocational Guidance, 23 (3), 695-717. Recuperado de https://link-springer-com.ez346.periodicos.capes.gov.br/content/pdf/10.1007/s10775-022-09527-1.pdf . Acesso em: 09 Mar. 2025.

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