A Navalha de Ockham

Autores: Coronel R1 José Arnon dos Santos Guerra
Quarta, 30 Abril 2025
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O cérebro de um bom planejador é um hardware requisitado entre decisores de alto nível, seja no ambiente civil ou militar, com amplo emprego na iniciativa privada, em organizações governamentais e não governamentais.

Esta leitura propõe instigar reflexões sobre o software instalado nesse hardware e questionar a necessidade de métodos mais ágeis para acompanhar a evolução tecnológica.

Na primeira metade do século XIII, Guilherme de Ockham atacou o cerne da filosofia medieval com essa proposição: ...fazer com mais o que pode ser feito com menos..., portanto, nada mais do ato de saber deve ser postulado. Com essas palavras, esse frade franciscano revolucionou o modo de pensar da civilização ao reforçar a importância do óbvio.

 

Suas ideias demoraram a surtir efeito, materializando-se apenas no século XV e sendo conhecidas, atualmente, como a Navalha de Ockham.

Os pensamentos do religioso se propagaram lentamente pela Europa e, próximo ao ano 1500, era possível dizer, sem medo de errar: se navegar para o Oeste, chegarei pelo Leste. Antes disso, essa afirmação seria uma heresia condenável à fogueira.

Ao ignorar séculos de constatações filosóficas para afirmar o incontestável, Ockham propôs uma nova perspectiva para a ciência, baseada na experimentação. Portanto, não seria errado afirmar que as Grandes Navegações foram o resultado mais prático de suas reflexões.

Dois séculos mais tarde, René Descartes desenvolveu o método cartesiano, cuja essência era duvidar de uma ideia até que ela, sem novos questionamentos, se tornasse uma verdade. Essa abordagem foi desenvolvida no século XVII e amplamente empregada pelos militares durante os conflitos do século XIX, sobrevivendo até os dias atuais.

O modelo de gerenciamento de projetos adotado pelo Project Management Institute (PMI), tem suas raízes no século XX, com sua evolução mais visível registrada na década de 1990 e, a partir do século XXI, diante do avanço de tecnologias computacionais, dividiu-se em dois modelos: tradicional ou preditivo e ágil, este com múltiplos frameworks.

Os filósofos sempre foram adeptos de discussões intermináveis e publicações volumosas. Discussões éticas, por exemplo, apesar de ensinarem muito, invariavelmente, atrasam entregas importantes para a sociedade. Contudo, sem filosofia, a ciência abre espaço para o amadorismo e seus reflexos nefastos. Encontrar um meio termo seria o ideal.

O PMI sugere que, diante das incertezas, soluções baseadas em técnicas ágeis podem ser úteis. Essa proposta torna-se mais interessante à medida que a civilização se aproxima de um novo ciclo de Grandes Navegações, desta vez, espaciais.

Experimente perguntar ao oráculo do nosso tempo:

  • Qual a metodologia utilizada pela Space X para desenvolver seus artefatos espaciais? A resposta será:

  • Scrum, XP e Lean. todos frameworks ágeis.

Exercitando as ideias, seria possível utilizar a agilidade em operações militares?

Com base nas Normas para Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento de Projetos do Exército Brasileiro, parece que sim:

Art. 11. Projeto é uma iniciativa com um grau de complexidade que envolve esforço temporário empreendido para conceber um produto, criar um serviço ou obter um resultado exclusivo.

Excetuando-se a necessidade de produção de documentação abrangente, tão comum em projetos preditivos, a metodologia ágil pode servir aos propósitos operacionais, e sempre servirá em crises.

O mais importante para essas novas técnicas é a entrega de valor. O Gen Silva e Luna, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, tinha uma premissa para os projetos emperrados: É o resultado que valida o ato e não a intenção. Ele sempre pensou e ainda pensa adiante de seu tempo.

Para enfrentar as tecnologias disruptivas, talvez seja o momento do Estudo de Situação evoluir para uma forma híbrida, como um dia evoluiu, em projetos, o método preditivo para algo mais enxuto e dinâmico.

A simplicidade é fundamental para existir em meio a tanta modernidade, onde a pluralidade de alternativas, associada à velocidade do surgimento de novas tecnologias, exige do estamento militar maior conhecimento, maior capacidade de adaptação e soluções inovadoras, as quais não estão escritas em manuais redigidos anos antes.

Reflita:

  • Lançar uma espaçonave tripulada para Marte será fácil?

Há menos de uma década, isso poderia parecer insanidade, atualmente, tornou-se uma perspectiva bem próxima e, em breve, será realidade.

Seria ainda mais interessante perguntar:

  • Quem tripulará a aeronave?

Eis um vaticínio: a primeira viagem será guiada por Inteligência Artificial. Talvez, seja tripulada por humanos, mas é bem improvável, pois a metodologia ágil indica a prototipagem. Em síntese, quem fincará uma bandeira no Planeta Vermelho será um robô.

E se lhe perguntarem:

  • Essa viagem espacial é fruto de uma operação militar? Se sim, por que ela está sendo pla- nejada e executada pela iniciativa privada?

Porque a iniciativa privada é ágil, menos sujeita à tecnocracia estatal e tem maior apetite por riscos.

Em suma, a diferença entre os métodos consiste na denotação de suas palavras ao explicar sua técnica, porque, no fim, todos apresentam resultados iguais ou bem próximos.

Entretanto, à luz da simplicidade de Ockham, o Estado Final Desejado torna-se mais claro para o Comandante e seu Estado-Maior, seja por facilitar um planejamento mais rápido e funcional, seja por entregar objetivos de maior valor militar para o líder estratégico.

É tempo de acelerar, reformular, simplificar. É o momento de usar o fio da Navalha!

Complemento: Guilherme de Ockham e a maioria dos seus adeptos morreram precocemente no primeiro surto da Peste Negra na Europa, sem completar todos os seus trabalhos, os quais também foram prejudicados pela morte de grande parte da comunidade acadêmica no Velho Continente.

 

Referências:

  1. MCFADDEN, Johnjoe. A navalha de Ockham. 1. Ed. Kindle. Rio de Janeiro: Sextante, 2022.

  2. Project Management Institute Inc. Guia PMBOK®. ed. New Square, Pennsylvania: 2021.

  3. Project Management Institute Inc. Guia Ágil®. ed. New Square, Pennsylvania: 2017.

  4. Exército Brasileiro. NEGAPEB. ed. Brasília: Estado-Maior do Exército: 2023.

CATEGORIAS:
Cultura

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