O Estado-Maior do Exército aprovou, em 4 de dezembro de 2020, a Diretriz para o Sistema Cultural do Exército (SisCEx). Como integrante do Sistema Nacional de Cultura (SNC), o SisCEx tem ligações técnicas e de cooperação, visando, entre outras metas, a integração do Exército à sociedade em geral, por meio da difusão da cultura castrense.
Nesse contexto, como missão síntese, cabe à Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército preservar e divulgar o patrimônio histórico e cultural do Exército, material e imaterial.
Este pequeno artigo de opinião surgiu após o início da análise da nova portaria e pretendeu reunir ideias pessoais e profissionais sobre a formação do ethos militar e a percepção do brasileiro quanto aos militares do seu Exército.
Recentemente, a sociedade brasileira vem recebendo uma série de informações que tratam do emprego das Forças Armadas, sobretudo do Exército Brasileiro, e da interpretação do artigo 142 da Constituição Federal.
Passados 32 anos da promulgação de nossa Carta Magna e contabilizadas centenas de operações militares no âmbito interno da Nação, é surpreendente que essas questões venham à tona de maneira tão intensa. Mais ainda, quando se percebe a inexistência de um consenso, nas mais diferentes esferas do poder nacional, sobre suas atribuições, competência, subordinação e postura frente a questões de cunho político.
Entendendo que o desconhecimento institucional do Exército por parte da sociedade é parcela do motivo de todas essas questões, pretendo analisar como pensam e atuam os membros da instituição mais respeitada do País, por meio de suas crenças e de seus valores, concluindo que o Estado brasileiro pode confiar nos seus integrantes e valer-se deles para o desenvolvimento nacional. Não tenho, evidentemente, a mínima pretensão de esgotar o assunto, mas, sobretudo, de estimular a revisão acadêmica sobre o tema.
"Senhor, umas casas existem, no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta, se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta, se deitam obedecendo. Da vontade, fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a morte... A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de celebrar. Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares… Corações mesquinhos lançam-lhes no rosto o pão que comem; como se os cobres do pré pudessem pagar a liberdade e a vida... Se a força das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o farão. E, desde hoje, é como se o fizessem. Porque, por definição, o homem da guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai a coragem, e à sua direita a disciplina".
Essa parcela da carta de Dom Moniz Barreto, escrita ao Rei Carlos I, de Portugal, em 1893, destaca características comuns aos homens da caserna, forjados pelo tempo e pelos ideais que ainda hoje são intrínsecos a muitos exércitos ocidentais.
Já no recrutamento e na formação dos soldados romanos, havia um equilíbrio entre os valores morais (virtus) e a disciplina. Esses dois aspectos, por sua vez, tinham forte embasamento na ética estoica dos gregos, fortalecida mais tarde pelo imperador e filósofo romano Marco Aurélio.
No primeiro milênio da era cristã, destaca-se a influência de São Tomás de Aquino, com suas reflexões sobre a verdade que vão ser incorporadas na virtus dos exércitos ocidentais. O Iluminismo, por sua vez, influenciou a ciência militar com o “método” de Descartes, formatando, ainda mais, a estrutura do planejamento militar e sua lógica objetiva. Por fim, no século XIX, o Positivismo induziu à absorção do altruísmo, dos sentimentos republicanos, da ordem e do progresso.
O Estoicismo foi uma filosofia originada na Grécia Antiga, no séc. IV a.C., e teve Zenão, Seneca, Crisipo, Epicteto e o imperador romano Marco Aurélio como seus maiores representantes. A base filosófica dessa corrente assentava na crença da sobreposição da razão sobre a emoção e na visão de que o mundo segue uma ordem perfeita, lógica e ética.
Dessa filosofia, deriva boa parte dos valores e das crenças do militar:
a coragem e a consciência do comprometimento da própria vida;
a sujeição à rígida disciplina e à hierarquia;
a disponibilidade permanente;
a rigidez dos treinamentos;
o fiel cumprimento do dever; e
a busca pela justiça.
O Racionalismo Clássico e o Iluminismo, como correntes de pensamento dos séculos XVII e XVIII, também se expressaram como solução às questões sociais e foram avessos ao Absolutismo e aos privilégios dados à nobreza. Seus principais representantes foram John Locke, Voltaire, Descartes, Hegel, Pascal, Rousseau, Montesquieu e Diderot. Como reflexos na formação e evolução castrense, destacam-se:
a busca da objetividade e
o planejamento metodológico;
O Positivismo surgiu na França, no início do século XIX, e tem em Augusto Comte seu maior representante. A filosofia positivista atuou fortemente na área científica e na compreensão da ética humana, por meio de uma visão concreta (positiva) dos fenômenos observáveis. No Brasil, a corrente influenciou a oficialidade jovem e trouxe significativas reflexões sobre o equilíbrio “operacionalidade x cientificidade” do Exército ao início da República, exigindo ponderações posteriores. Por fim, foram absorvidas as ideias de:
verdade científica;
altruísmo; e
ordem por base e progresso, por fim.
Da integração dessas diversas influências, identifica-se muito claramente o porquê de o Exército Brasileiro ter-se mantido incólume neste período tão importante para a consolidação das instituições nacionais democráticas.
O Sistema de Ensino do Exército e seu Sistema de Instrução Militar, juntos, desempenham papel fundamental como base sólida em que se apoia a identificação do “Braço Forte, Mão Amiga!”.
Para ser permanente, como diz a Constituição, faz-se mister que esses valores, absorvidos com a evolução da sociedade mundial, sejam também o espelho dos mais ricos ideais do povo brasileiro. Aliado a isso, e de forma absolutamente distinta das demais profissões, a entrega do bem jurídico maior - a vida - para a defesa da Pátria deve estar acima de qualquer sonho, desejo e devaneio. Ao militar, não é permitido nem ao menos a hipótese da dúvida! Por isso, a construção de seu pensamento e diálogo rápido, objetivo, clássico, ortodoxo e cartesiano.
A observação dos protocolos próprios do quartel é um excelente indicativo para seu povo a quantas anda a prontidão do seu Exército:
alvorada: 6h
hasteamento da Bandeira Nacional: 8h
arriação da Bandeira Nacional: 18h
silêncio: 22h
No intervalo desses importantes momentos, quando não em operação militar: o diálogo entre os oficiais e as praças nas formaturas, cerimônias e rotinas diárias; a instrução militar; o cuidado com a higidez física; os exercícios no terreno; a ordem unida e a manutenção do material de emprego militar.
Destaque especial às cerimônias de “entrega da boina” aos recrutas incorporados no ano corrente, de saudação aos patronos das armas, de datas cívicas e de entrega de medalhas.
E sempre: disponibilidade permanente!
Na rotina militar, não existe vazio referencial.
É certo também que a linguagem e o comportamento próprios criam no inconsciente coletivo popular a percepção do isolamento.
Erroneamente!
Diversas unidades do Exército apoiam as mais diferentes iniciativas, nas esferas municipal, estadual e federal, e aproximam crianças, jovens e adultos dos quartéis de suas cidades. Como exemplos, o Programa Força no Esporte, o Soldado Cidadão, os diversos convênios e acordos técnicos de apoio a um número significativo de universidades, visando ao atendimento por soluções de gestão pública.
Não à toa, o Exército é reconhecido como uma das instituições mais confiáveis do País.
Basta, pois, a promoção de uma aproximação da parcela social que ainda não o conhece.
É permitido conhecê-lo para integrar e interagir.
Estamos entusiasmados por oferecer essa "janela de oportunidade" à sociedade, em colaboração com o Sistema Nacional de Cultura!
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