No dia primeiro de junho do corrente ano, o Colégio Militar de Fortaleza completou cem anos de existência. Um momento sublime e de muito orgulho para diversas gerações que nele estudaram, prestaram serviço e ajudaram a construir uma história exitosa, dedicada à formação do cidadão de bem, alinhada com os valores mais nobres que regem a Instituição Exército Brasileiro.
Suas origens remontam à construção, em 02 de dezembro de 1877, do Asylo de Mendicidade, espécie de abrigo para retirantes provenientes da grande seca que, naquele ano, assolou a economia e deixou um rastro de destruição e miséria à população do interior do Estado do Ceará. No entanto, apesar das nobres intenções da iniciativa, o imóvel foi pouco utilizado para tal finalidade e, a partir de 1890, ainda sob a responsabilidade do Governo Estadual, permaneceu ocioso até 1892. Nesse ano foi repassado à União, vindo a abrigar a Escola Militar do Ceará até ao ano de 1897.
Após o encerramento das atividades da Escola Militar, o imóvel, conhecido, à época, como “Casarão do Outeiro[1]”, esteve sob posse do Governo do Ceará, tendo, nesse ínterim, abrigado o Colégio de Nossa Senhora de Lourdes (até 1910), a Força Pública do Estado do Ceará (1911-1917), o 9º Regimento de Artilharia Montada (1918-1919) e, a partir de 02 de fevereiro de 1919 até o ano de 1938, o Colégio Militar do Ceará, considerado o precursor do atual CMF. De 1938 a 1941 abrigou o Colégio Floriano e, em 1942, retoma novamente sua vocação para o Ensino Militar, vindo a abrigar a Escola Preparatória de Fortaleza (EPF), direcionada ao ensino preparatório para ingresso nos cursos de formação de Oficiais de Linha do Exército Brasileiro. Finalmente, em 1962, voltou a funcionar como Colégio Militar, destinado à educação básica, com ênfase nos aspectos preparatório e assistencial.
As histórias e as memórias relacionadas a este educandário, no momento em que se aproximam as comemorações de seu centenário, estão profundamente interligadas pelos seus valores identitários, protagonizados por diferentes gerações que nele depositaram suas energias, seus ideais e suas aspirações de futuro, unindo-as na atemporalidade, tanto das ilações da memória coletiva quanto no valor que a Casa de Eudoro Corrêa representa para a História local e nacional.
A iniciativa da criação do Colégio Militar do Ceará (CMC), precursor do atual CMF, deve-se ao deputado federal cearense Frederico Borges, autor da emenda à Lei Orçamentária para 1919, a qual ensejava o funcionamento regular de um Colégio Militar no Estado do Ceará. Dessa forma, atendendo a inúmeras solicitações da sociedade cearense e de setores do Exército para que fosse criada uma escola secundarista na Terra do Sol, foi autorizada, por intermédio do Diário Oficial, de 4 de fevereiro de 1919, a instalação do Colégio Militar do Ceará, que passaria a integrar, juntamente com seus congêneres do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Barbacena, o rol dos institutos de ensino militar. Assim, as atividades letivas tiveram início em 1º de junho, data que até hoje é comemorado o aniversário do Colégio Militar de Fortaleza.
O Colégio Militar do Ceará, assim como o atual CMF, teve como objetivo a formação básica nos níveis preparatório e assistencial. Desde o momento de sua fundação, em 1919, até o seu fechamento, em 1938, o Colégio Militar do Ceará foi uma escola de relevo. Sua contribuição para a formação do cidadão bem como suas práticas pedagógicas e curriculares, herdadas do Exército Brasileiro, estiveram relacionadas à profusão de valores voltados para o fortalecimento da identidade e da cidadania. Essa prática sistêmica alicerçava-se na manutenção de um ensino vinculado à permanente construção da nacionalidade brasileira, sendo esta uma característica matricial e identitária do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) até os dias de hoje.
A Escola Preparatória de Fortaleza (EPF), sucessora do Colégio Militar do Ceará, foi criada, em 1942, em pleno curso da 2ª Guerra Mundial. Nesse sentido, é significativo assinalar que uma guerra de proporções totais despertava, no seio da sociedade cearense e brasileira de forma geral, o compromisso, especialmente da juventude, em defender a soberania do Estado Brasileiro.
A EPF veio atender, dessa forma, inúmeras reivindicações da juventude cearense e nordestina no sentido de proporcionar-lhe tanto uma oportunidade de ascensão social como a possibilidade de seu ingresso nos quadros de formação de oficiais de linha bélica do Exército Brasileiro, à semelhança do que já ocorria no tocante aos jovens do sudeste e do sul do país, onde funcionavam as Escolas Preparatórias de São Paulo e Porto Alegre. Assim como o antigo CMC, a EPF recebia alunos de todo o país e personificava, em terras cearenses, uma identidade profundamente voltada aos valores nacionais. Em sua vivência escolar, por exemplo, lemas como “Para a frente, custe o que custar” - trecho que até hoje está presente na canção do CMF - denotavam o ideal de abnegação e sacrifício, sempre postos a serviço da defesa e do contínuo engajamento de seus corpos permanentes e discentes na melhoria da sociedade e do próprio Estado Brasileiro.
Sucessor do antigo CMC e da EPF, o CMF foi criado pelo Decreto 166, de 17 de novembro de 1961. É considerado o herdeiro das escolas que lhe antecederam, tendo sua denominação histórica “Casa de Eudoro Corrêa”, homologada pelo Centro de Documentação do Exército no ano de 2006, como justa homenagem ao mais longevo comandante dos Estabelecimentos Militares de Ensino que funcionaram nesta casa. Sua reabertura esteve relacionada com a reestruturação do ensino no Exército e alinhava-se, naquele momento específico, a uma tendência de reabertura de antigos Colégios Militares.
A partir de sua criação, buscou-se manter diversas ritualísticas relacionadas às cores, às cerimônias e aos símbolos utilizados, tanto pelas escolas anteriores como pelo próprio Exército Brasileiro. O vermelho ou garança, por exemplo, está presente nos uniformes cerimoniais, sendo a boina, em especial, dotada de uma simbologia muito significativa. Instituída através de Portaria Ministerial em 1971, ela é entregue pelos padrinhos, em ato solene, aos alunos que ingressam no SCMB, representando o momento de entrada na família garança. No plano simbólico, tal ritualística estreita os laços da instituição com a família e com a sociedade, ao mesmo tempo em que confere ao discente a proteção simbólica de uma cor heráldica do Exército.
Desde a sua abertura, em 1919, o Colégio Militar vem apresentando resultados expressivos em diferentes exames nacionais que proporcionam o ingresso de seu público discente ao Ensino Superior. Os relevantes resultados obtidos no ENEM e em processos vestibulares de inúmeras e renomadas Instituições de Ensino Superior, tais como Universidades Federais, Instituto Militar de Engenharia, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, entre outras, associados a infindáveis medalhas e menções honrosas de abrangência nacional e internacional, obtidas pelos discentes que compõem a família garança, vêm obtendo no espaço-tempo de existência desta casa, exponencial reconhecimento da mídia nacional. Esse fato atesta a transversalidade de seu legado histórico não só para a sociedade civil, mas para o Estado brasileiro de forma geral. Destacar esse aspecto da história do CMF é muito importante porque a sua projeção de futuro tem sido, desde a sua fundação em 1919, alicerçada nos valores mais nobres do Exército Brasileiro.
O CMF cumpre o estabelecido na proposta pedagógica do SCMB e, a exemplo do que ocorreu em 1989, ano marcado pelo ingresso das alunas no sistema, tem permanecido atento às demandas da educação atual. Nesse aspectro, pode-se destacar a preocupação com um ensino cada vez mais contextualizado, interdisciplinar e inclusivo, voltado para a acessibilidade, o apoio pedagógico e o turno integral, estrategicamente harmonizados com a natureza preparatória e assistencial do sistema como um todo.
O CMF, fortemente ancorado nos valores éticos e morais, nos costumes e nas tradições cultuados pelo Exército Brasileiro, tem o seu Código de Honra, com destaque aos valores: lealdade e honestidade; iniciativa e nobreza de atitudes; disciplina e camaradagem; estudo e amor à cultura; e respeito às normas do Colégio.
Alinhado com o Sistema Colégio Militar do Brasil, o CMF preocupa-se em formar jovens ativos e criativos, autônomos e autores, providos de competências, habilidades e de valores éticos e morais cultuados pelo Exército Brasileiro, ou seja, indivíduos mais responsáveis, atuantes e transformadores.
Ainda que expresse o sonho de diferentes gerações de jovens em seus respectivos espaços-tempo, o legado do CMF e das escolas que o precederam sobrevive no imaginário coletivo, sendo compartilhado de forma categorial e atemporal pelas pessoas que nele experienciaram momentos significativos em suas vidas. Destacar esse aspecto de sua História é fundamental na percepção da força e do prestígio que esse educandário tem tido no seio da sociedade.
A inserção do “Casarão do Outeiro” e da Casa de Eudoro Corrêa, na História de Fortaleza, do Ceará e do País, subjaz a infinitas memórias. Somente quem nesse espaço tanto estudou, lecionou e, essencialmente, aprendeu em um sentido ampliado, poderá entender o estreito laço que existe entre a formação do cidadão e a importância de uma pedagogia alinhada com os valores pátrios. Portanto, nesse centenário, gerações cujos corpos e almas estiveram, em algum momento de suas existências, atreladas à ambiência do CMF e das escolas que o precederam, uniram-se aos atuais alunos em um grande coro:
“...Viveiro de almas jovens e sequiosas
Das luzes da instrução e do saber
Aguarda-nos conquistas grandiosas
No cumprimento certo do dever...”
(Trecho da Canção do Colégio Militar de Fortaleza)
Colégio Militar de Fortaleza – Para frente, custe o que custar!
[1] A expressão Casarão do Outeiro é uma alusão às primeiras construções que deram origem ao Asylo de Mendicidade (1877-1894), a Escola Militar do Ceará (1889-1897), o Colégio Militar do Ceará (1919-1938), a Escola Preparatória de Fortaleza (1942-1961) e ao atual Colégio Militar de Fortaleza (1962 até os dias atuais). Outeiro era o nome do bairro onde se localizava o terreno que, à época, foi doado ao governo do Ceará Provincial pelo comerciante e político cearense Joaquim da Cunha Freire, Barão de Ibiapaba. Situava-se entre as ruas do Sol (atual Costa Barros), Soledade (atual Nogueira Acioly), Leopoldina e rua do Colégio das Órfãs (atual Avenida Santos Dumont). O atual bairro Aldeota, onde se localiza o CMF, fazia parte do outrora Bairro do Outeiro.
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