Há dois pátios na Academia Militar das Agulhas Negras e, em cada um, uma frase escrita com letras monumentais em suas paredes. Uma lá está desde sempre e traz a marca da perenidade; a outra, intrusa, talvez por mera conveniência de paralelismo, possui o traço do arremedo.
Forjei meu espírito militar sob o influxo diuturno e poderoso da primeira: “Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer!” Meus pés não mais pisavam aqueles pátios quando se inscreveu a segunda: “Ser soldado é mais que profissão é missão de grandeza”. Talvez, por isso, essa me pareça tão vazia ou pobre de conteúdo – conteúdo verdadeiramente educador e formador.
A primeira é um diamante puro e lapidado, cuja limpidez e brilho são impossíveis de conspurcar. Ela não permite interpretações; é irredutível e inflexível. Ela aponta um princípio e uma regra de conduta imperecíveis e incontestáveis em sua validade. Ela impõe um dever – dever fundamental para o nobre encargo de comandar homens –, dom intransferível de todos os oficiais. Ela recomenda uma certa humildade diante de tão pesado encargo, pois o comando se exerce sobre uma ação coletiva, e coletivo é também seu resultado, não servindo, portanto, para inspirar e alimentar veleidades personalistas.
A segunda não trata de princípios e regras, não incita ao cumprimento de dever algum, e seu teor autoelogioso induz à soberbia em vez de dar têmpera aos espíritos. A grandeza que a frase vincula ao soldado estimula a exaltação da pessoa mais do que da missão que lhe compete cumprir. Os eflúvios da grandeza insuflada na alma do soldado têm efeito embriagador e podem lhe perturbar a visão e o entendimento. Além disso, como bem descreveu Alfred de Vigny, a grandeza vem sempre acompanhada pela servidão na missão do soldado, e o espírito de grandeza não o predisporá à aceitação modesta das servidões que igualmente inerem à sina que lhe é própria. Embora se possa atribuir grandeza altruísta à servidão, assim como há grandeza no sofrimento em prol de outrem ou de um valor maior, essa ambiguidade, boa e má, da visão de grandeza não serve de estrela-guia para espíritos em formação, sensíveis a todo e qualquer estímulo.
A primeira é expressão certa de um ideal puro, a segunda é fruto corrompido de suspeita inspiração vaidosa. Aquela é gema de indiscutível valor, esta é ganga rejeitável.
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