Uma organização militar tem traços peculiares difíceis de compreender para quem não viveu qualquer experiência dentro de um quartel, até mesmo para as pessoas que têm laços com os militares. Ser diferente não é peculiaridade da caserna, afinal todos os trabalhos têm suas singularidades.
Nos quartéis deve reinar o respeito absoluto pela hierarquia, de outra forma não seria uma instituição bem organizada e regulada verticalmente, que lida melhor com a solução de problemas dentro desse tipo de estrutura, tal como a Igreja Católica, onde a exigente disciplina também é quesito fundamental. Esses dois atributos, hierarquia e disciplina, tão típicos de uma instituição militar, são importantes para qualquer outra organização, em maior ou menor grau, sendo, entretanto, mais flexíveis nas civis.
O que não pode existir em uma organização cuja missão é resolver problemas, às vezes com o uso da violência, é a soberba entre os comandantes, em qualquer nível do estamento castrense, do cabo ao general.
A soberba é um sentimento de superioridade que predomina em mentes orgulhosas, colocando o sujeito em um patamar superior aos demais, coroando-o com uma auréola de importância que nem sempre ele tem. No catolicismo, é o primeiro da lista dos sete pecados capitais.
Teria esse sentimento origem em talentos inatos, reforçados pelos excessos dos pais durante a infância e desenvolvido por adulações insistentes, amizades de ocasião e formalidades excessivas na caserna? É provável.
O excesso de vaidade brota das virtudes pessoais, que, exercitadas à exaustão, aperfeiçoam o agir e acumulam sucessos, proporcionando a chance de desenvolver, na maturidade, ouvidos moucos às opiniões alheias. Esse processo fertiliza o gênio prepotente, tornando-o incapaz de entender que não é o dono da verdade.
Dois exemplos históricos contrastantes contribuem para entender melhor o que aqui se pretende expor. Napoleão, na batalha de Waterloo, enganou-se pelo sinal de cabeça “concordo” do guia Lacoste e sepultou 2 mil cavalos e 1.500 homens entre as barrancas da azinhaga de Ohain, sendo derrotado por um general que não o igualava em genialidade; Caxias, por pouco, não foi presa semelhante do destino, quando, na passagem pela ponte sobre o rio Itororó, percebeu que seu ajudante de ordens confundia-se com suas determinações por conta do barulho e da própria afoiteza, assumiu a liderança, lançou-se contra a sólida defesa do General Caballero em um ataque frontal, tipo de manobra ofensiva que não estava mais na moda naquele momento, e consagrou-se.
Resumindo, Napoleão acreditando em sua onipotência teve tempo de parar, pensar e agir, mas não o fez. Caxias, diante do desastre iminente e de espada em punho, bradou: "Sigam-me os que forem brasileiros!”, partiu para cima da posição fortificada, sua tropa o seguiu cegamente e acabou por salvar a honra do pavilhão imperial.
O que distingue o fracasso do primeiro do sucesso do segundo é a quantidade de amor-próprio. Napoleão jamais acreditou que seria derrotado. Caxias temeu a derrota, resignou-se e venceu. Aliás, seu testamento é prova de sua modéstia ímpar, tanto quanto as honras oferecidas aos vencidos nas rendições. O resultado mais perceptível da atitude interna do espírito do Patrono do Exército foi a não dissolução da dimensão continental do Brasil, amalgamada em seus fragmentos com o cimento da sua humildade.
O exemplo mais robusto de como a arrogância conduz à derrota encontra-se precisamente na Guerra da Criméia (1853-1856), quando as tropas britânicas registraram um de seus piores desastres sob a chefia de aristocratas transformados em generais pela hereditariedade e não pelo mérito.
As empáfias dos Generais Brudenelle e Bingham solaparam a coragem e o profissionalismo dos combatentes ingleses, na ambição por poder, visibilidade, glória e fama, sentimentos disputados entre eles durante anos na corte inglesa, em meio a mansões, bailes, coquetéis, fardas enfeitadas com ouro e adulações sem fim, até que a guerra os chamou e lhes mostrou sua crueldade. O final dessa história você encontrará no livro da Biblioteca do Exército, “A Carga da Cavalaria Ligeira, Anatomia de um Desastre”, de Cecil Woodham-Smith.
A lição que se depreende dessa leitura é que a soberba não pode ser cultuada entre soldados, em qualquer nível de liderança, principalmente nas estratégicas, onde a rede de intrigas se faz mais ardilosa e as armadilhas são construídas com gatilhos muito sensíveis.
Cabe a um comandante tratar seus subordinados com atenção, respeito e civilidade, como os que dispensa à sua família. Ouvir e servir são requisitos essenciais para os homens acreditarem em seus superiores e os seguir sem questionar. Inclusive, nunca é demais repetir a sábia parte do nosso juramento, que, às vezes, confunde seres presunçosos: “... e com bondade os subordinados...”.
Pelas lições sem fim que a história ensina, vê-se que a humildade contribui mais do que o orgulho na guerra. A hierarquia e a disciplina podem garantir a vitória pelas mãos de um comandante inteligente e corajoso, mas dificilmente a garantirão sob a tutela de um vaidoso.
Em suma, o esquecimento será o troféu dos que, na sua jornada profissional, tiveram a soberba como traço mais conhecido da sua personalidade, porque é inegável que a morte, o fim de tudo e de todos, igualará as diferenças cultivadas em vida, sem qualquer distinção.
HUGO, Vitor. Os Miseráveis. Book House. Kindle, [s.d.].
DORADIOTO, Francisco F. Monteoliva. Maldita Guerra: A nova história da Guerra do Paraguai. Companhia das Letras. 3ª Ed. Kindle, [s.d].
WOODHAM-SMITH, C. A Carga da Cavalaria Ligeira, Anatomia de um Desastre. Biblioteca do Exército, 2005.
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